indio na beira do rio

Bacia do Rio Doce, atingida pela lama que vazou da Barragem do Fundão

Resplendor – Os indígenas da etnia Krenak possuem uma relação ancestral com a terra e lamentam a situação do Rio Doce – o Watu, no idioma nativo. Na Reserva Krenak em Resplendor, no Vale do Rio Doce, Apurinã Krenak, de 31 anos, diz que não perde a esperança de ver o rio com vida novamente, porém, lamenta a falta de informação: “Queria uma resposta certa sobre a qualidade da água, mas, mesmo que falem que não tem problema, eu não tenho coragem de ir lá e pescar para comer”.

Apurinã já viveu fora da reserva, quando morou em Espera Feliz e trabalhou como representante comercial da Coca-Cola, mas voltou para a terra natal e busca preservar a cultura de sua etnia, dominando o idioma nativo e costumes como a pesca e a caça de capivaras e pacas. Ele, que é motorista da unidade de saúde da aldeia, explica que não há mais como caçar. “Íamos até a ilha, levávamos cachorros que espantavam as capivaras e pacas para o rio. Na água, conseguíamos pegá-las com lanças e flechas”, descreve. Agora, a água está tão suja que é impossível ver qualquer animal nadando. Outra observação de Apurinã é que muitas aves que chocavam na ilha no mês de dezembro não fizeram ninhos no local.

Os Krenak são os últimos botocudos do Leste, nome atribuído pelos portugueses no final do século 18 aos grupos que usavam botoques auriculares e labiais. Os botocudos ocupavam uma área extensa que englobava o Oeste do Espírito Santo, o Leste de Minas Gerais e o extremo sul da Bahia. Em 1808, duas cartas régias foram expedidas declarando guerra aos botocudos. Várias juntas militares foram criadas, assim como quartéis, destacamentos e divisões militares, que deram origem às cidades do Vale do Rio Doce.

Séculos depois da guerra em que foram quase devastados, a morte, ou kuen, em Krenak, voltou a ser uma palavra presente no cotidiano. Apurinã perdeu duas vacas, que beberam água do rio logo após a lama passar e não resistiram. “Demorou 15 dias depois do rompimento da barragem para a lama passar aqui. Todo dia íamos para a beira do rio e ficávamos esperando ela chegar. Um amigo disse que a cena era igual aos familiares de um morto esperando o corpo chegar para o velório”, compara. *Daniel Camargos