Cabeça cortada pelos Munduruku e transformada em troféu de guerra, em exposição em Viena – Reprodução Wikimedia Commons

Em exibição no Weltmuseum, de Viena, uma cabeça cortada usada como troféu de guerra pelos Munduruku, etnia indígena do Norte do Brasil, tem gerado polêmica entre alguns frequentadores. De acordo com reportagem do jornal “The Art Newspaper”, especialistas criticaram a instituição por mostrar restos mortais de um representante de povos originários e não fornecer informações sobre a procedência da cabeça e dos demais artefatos, datados do século XIX.

A curadora do Weltmuseum, Claudia Augustat, declara ao jornal britânico que a exposição segue as diretrizes do Conselho Internacional de Museus (Icom) para a exposição de restos humanos, mas não dá detalhes sobre como o artefato foi adquirido.

A polêmica na Áustria não é a única na Europa em relação à exposição de restos humanos em universidades e museus etnográficos. Muitos destes “acervos” foram retirados de seus países de origem durante as pesquisas antropológicas do século XIX, dentro de uma lógica colonial que vem sendo debatida nos últimos anos, inclusive com o aumento nos pedidos de repatriação destes restos humanos pelas comunidades originárias.

Etnia de tradição guerreira, os Munduruku dominavam a região do Vale do Tapajós e tinham como hábito cortar a cabeça de seus inimigos e enfeitá-las como forma de atrair boa sorte. A prática durou até a segunda metade do século XVIII, quando aconteceram os primeiros contatos com os colonizadores brancos.

— Os Munduruku passavam até seis meses em expedições pela mata para encontrar e enfrentar povos inimigos. Muito da fama de seu ímpeto guerreiro vem de pesquisadores que tiveram contato com eles no século XIX. Mas cabeças cortadas ficaram raras entre eles com o passar do tempo. As cabeças que chegaram às instituições podem ter saído com pesquisadores europeus na época, é difícil precisar — ressalta José Sávio Leopoldi, doutor em Antropologia pela USP e autor do livro “De caçadores de cabeça a índios urbanos: a saga dos índios Munduruku”, lançado no ano passado.

Fechado ao público desde 2016 e ainda sem previsão de reabertura, o Museu do Índio, em Botafogo, mantém uma cabeça que foi preservada pelos Jivaros, índios da região amazônica.

‘É fundamental contextualizar com precisão este tipo de item, evitando abordagens que retratem estas culturas pelo viés do exotismo’

Para a sua apresentação, assim como a de qualquer outro artefato oriundo de povos indígenas, a instituição segue uma série de normas técnicas, que inclui a curadoria realizada exclusivamente por uma equipe de antropologia.

— Toda a parte temática e de conteúdo é feita pela antropologia, que deve ter um trabalho de campo junto aos grupos abordados na exposição — informa Ione Couto, museóloga e coordenadora de Patrimônio Cultural do Museu do Índio. — Todas as condições de exibição dos itens são discutidas com os grupos, tudo depende de sua aprovação. A museologia entra para garantir as condições técnicas ideais para a apresentação e preservação das peças.

Para a museóloga, que recorda ter visto em um museu belga um manto tupinambá sem a identificação correta, a exibição de restos humanos é importante em termos de pesquisa, embora acredite que as instituições etnográficas devam rever frequentemente seus conceitos.

— É fundamental contextualizar com precisão este tipo de item, evitando abordagens que retratem estas culturas pelo viés do exotismo. O próprio Quai Branly (o Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas, em Paris) mudou seu modelo de exibição. Também fizemos uma mudança no Museu do Índio a partir de 2001, deixamos de ter mostras genéricas para focar em determinados grupos de cada vez.

fonte: O Globo