Dia internacional dos Povos Indígenas foi instituído pela ONU

Por Thaís Ferrari

Entre tantas datas comemorativas e de conscientização, no dia 09 de agosto é comemorado o Dia Internacional dos Povos Indígenas, marco instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, no final de 1994, salientando a primeira reunião do Grupo de Trabalho da ONU sobre Populações Indígenas, realizada em Genebra, em 1982. Visto a relevância da data, conversamos com Hortência Lopes, 42, nome indígena: Nikita, que vive em contexto urbano em Valinhos, e luta pelos direitos e pela visibilidade e permanência da cultura dos povos indígenas na cidade.

Hortência Lopes, de etnia Guarani Nhandeva, nasceu na Aldeia Porto Lindo, em Japorã, município do Mato Grosso do Sul, onde permaneceu até os dez anos. “Tenho lembranças da minha terra, da paisagem, da terra vermelha; lembranças vivas da minha infância com a minha família”. Quando seus pais morreram, foi trazida para Valinhos doada para uma família, e o mesmo ocorreu com seus irmãos, encaminhados para famílias diferentes. Nikita relata que a adaptação na área urbana foi muito difícil, não falava português, apenas a língua materna Guarani. Não teve acesso à escola por não ter os documentos civis, apenas registros indígenas da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), “o estado não está preparado para conferir os direitos aos cidadãos indígenas quando decidem ignorar a documentação da FUNAI”, explica. Sobre preconceito, relembra que a família que a trouxe para a cidade decidiu mudar seu nome, desrespeitando seu nome civil e indígena, “eles queriam apagar a minha história”, relembra.

“Hoje eu vivo na cidade e me considero uma cidadã urbana também. Apesar de em nenhum minuto ter apagado a minha identidade indígena. Hoje eu sou indígena em contexto urbano. Há várias pessoas como eu vivendo nas cidades, sem perder a identificação com a sua tradição e cultura. Eu tenho muito orgulho de ser indígena”, ressalta. Nikita cultiva com carinho e orgulho os signos culturais de seu povo e ancestrais, adquiridos pelos seus pais, ainda na aldeia. Visita todo ano sua Aldeia Porto Lindo, onde vive seu irmão, que encontrou após seus 20 anos. “Todo ano eu revivo minha história e ancestralidade. A ancestralidade é ativada pela memória que a gente guarda dos símbolos culturais, ensinamentos e ritos que fazem parte da cosmologia de cada povo indígena que tem no Brasil”, esclarece.

 

Atualmente, Nikita coordena um projeto chamado “Respeita nossa história!” – no qual é autora, que agrega um coletivo de mulheres indígenas em contexto urbano da região de Valinhos e Campinas. O objetivo é conscientizar as pessoas da cidade para a cultura e história dos povos indígenas, com atuação em escolas de ensino infantil, apresentação de palestras e atividades lúdicas com as crianças, na intenção de mudar a mentalidade pejorativa que têm dos indígenas, “os livros didáticos descrevem a cultura indígena como exótica, ou trata como folclore. Então as pessoas são levadas a pensar que indígenas fazem parte do passado. Vão acabar. Quando na verdade o indígena faz parte de todos os espaços e sentem orgulho da sua descendência ancestral. Somos contemporâneos e as pessoas precisam compreender melhor isso, para que cessem o desrespeito com os povos indígenas”, complementa.

 

Ainda dentro da cultura indígena, faz uso no contexto urbano das biojóias, feitas de sementes e outros materiais advindos da natureza, além dos cocares (chamados jeguakua em sua etnia). Ela preserva a tradição e pertencimento do grafismo, as pinturas na pele, utilizando o jenipapo (fruta que fornece tinta), para manter sua cultura viva em si mesma. “Estou sempre em reunião com demais parentes indígenas em atividades em que falamos da nossa cultura”, conta. A indígena destaca que os rituais não são exóticos, e sim ritos de celebração do orgulho de um povo. “O uso de adornos e pinturas em nossas culturas fazem parte dessa celebração da vida. Há pinturas e adornos para celebrar casamento, festa, a chegada das estações de colheita e plantio. Há pinturas que indicam tristeza, dizimação e situação de conflito. É como nas outras sociedades que também cultuam símbolos para celebrar a mudança e construção de um ideal”.

 

Para ela, os povos indígenas oferecem ao resto da sociedade ensinamentos para o despertar do senso coletivo e da união, do cuidado com o meio ambiente e respeito à grande Mãe Terra, sem a visão da ganância e da destruição das pessoas e do mundo. Nikita deixa um importante recado para a população valinhense: “Não queremos separar as sociedades. Queremos união dos povos, respeito e sensibilidade para vivermos nesse mundo que o grande Deus (nhanderú) nos deu. Pois todos somos filhos do grande Deus, então todos têm direito a dignidade da vida na terra”. Ainda pede que se tenha um olhar para as crianças e os idosos, respeitando a cultura dos povos ancestrais do Brasil. Por fim, faz os agradecimentos em seu idioma: Aguyjevete! (saudações indígenas de esperança por um novo amanhã).