Sem pesca, emprego e venda de artesanato, aldeias Guarani passam dificuldades há muito não sentidas

“Caranguejo, ostra, sururu, tá tudo seco, morto. Peixe não tem mais”, relata o cacique Pedro da Silva (Karaí), o Peru, da aldeia Guarani Piraquê-açu, em Santa Cruz, localizada às margens do rio e do manguezal homônimos, em Aracruz, norte do Estado.

Peru conta que a contaminação da água já foi constatada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas a Fundação Renova tenta reduzir a importância do crime da Samarco/Vale-BHP, alegando já haver um histórico de outros poluentes, de outras indústrias da região.

De fato, a Terra Indígena Tupinikim e Guarani, onde existem dez aldeias e mais de dois moradores, é cercada de empreendimentos industriais, sendo a Aracruz Celulose (Suzano) a mais antiga. Mas a chegada dos rejeitos de minério impactou profundamente as águas, matando a fauna local. “Depois da Samarco ficou tudo pior pra nós. Os peixes sumiram todos. A gente não sabe o que pode acontecer”, diz o cacique.

 

Além da pesca de subsistência, principal fonte proteica dos Guarani de Santa Cruz, o artesanato, alicerce econômico da etnia, também sofreu golpe brutal.

 

“Artesanato não vende, turistas sumiram”, diz a liderança indígena, apresentando o drama das famílias, que não têm a cultura do emprego fora das aldeias. “Guarani não tem emprego lá fora. Comunidade Guarani não tem emprego, pedreiro, nada”, diz.

 

Há ainda o impedimento do lazer das crianças, que afeta um aspecto importante da identidade cultural e territorial local. “As crianças tomavam banho no rio todo dia. Já teve problemas com as meninas da aldeia que foram parar no hospital. Não pode nem tomar banho no rio mais. Muita coceira, febre”, conta Peru.

 

A única compensação recebida pelos Guarani, no entanto, é o auxílio emergencial no valor de R$ 1,2 mil em média, que não cobre as perdas sofridas, materiais e morais. “Não pode tomar banho, não pode pescar, artesanato não vende mais. Tá estragando tudo”, resume.

 

A indenização como pescadores ainda não foi conquistada. Uma perícia sobre a contaminação dos peixes e mariscos foi prometida na última quarta-feira (27), em uma reunião entre a Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani e uma empresa contratada pela Fundação Renova para o serviço.

 

“Tem documento do Ibama dizendo que a água tá poluída. Agora quer prova dos peixes. Se comer agora pode não dar problema, mas daqui a um ano, dois anos ou mais, pode dar”, pondera o cacique.

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A água que abastece a aldeia Piraque-açu vem da aldeia tupinkim de Caieiras Velha, mas ainda não se tem uma análise sobre a qualidade da água lá, que está numa área mais afastada do rio e do manguezal, mas pode ter sofrido contaminação, pelo lençol freático.

 

“Com a indenização, talvez a gente possa fazer criação de peixe em lago ou criação de galinha”, projeta.

 

Conseguido o resultado das análises, a expectativa é de que as indenizações como pescadores – “não pescador de tonelada, mas pescadores originais, que nós somos” – seja paga ainda em abril. O Ministério Público Federal foi acionado para acompanhar o caso e garantir o acesso a esse direito como atingidos.