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Enfermeiro, Otávio Kaxixó, 25, resolveu fazer o novo curso após ver um tio morrer por falta de socorro

Depois de perder um tio, que morreu após sofrer um infarto antes de chegar ao hospital, Otávio Kaxixó, 25, teve certeza do que queria fazer: ser médico e dar assistência para os 89 indígenas que vivem na aldeia onde ele foi criado. Em 2013, o jovem conseguiu uma vaga no curso de enfermagem da UFMG por meio de políticas de ações afirmativas. Concluiu o curso em 2017 e, atualmente, voltou para a sala de aula na mesma universidade.

Com a ajuda financeira do povo Kaxixó, que vive a 15 km de Martinho Campos, na região Central de Minas Gerais, ele continua em Belo Horizonte para fazer o curso de medicina. É com dinheiro vindo da família e dos amigos da tribo que ele consegue sobreviver na capital.

Assim que se formar, Otávio vai ser o primeiro médico da tribo Kaxixó. “Nós, indígenas, queremos ser atendidos por alguém que entenda os nossos costumes e nos respeite. Meu tio, por exemplo, morreu porque ninguém da aldeia sabia fazer as massagens cardíacas até chegar o atendimento médico”, lembra.

Filho de uma indígena que agora trabalha como merendeira de escola e de um caseiro não indígena que optou por morar na aldeia, chegar à maior universidade do Estado não foi simples para Otávio: “Minha família nunca teria condições de bancar um curso de medicina para mim”, afirma. Até concluir o ensino médio para ele foi difícil. Como não tinha escola indígena na época em que ele morava lá, Otávio tinha que andar 15 km todos os dias para estudar na cidade.

Longe das raízes. Ao chegar a BH para fazer faculdade, Otávio teve que travar outra guerra: se manter em uma cidade com costumes diferentes, sem dinheiro e longe da família. “Quando me sinto sozinho, eu me pinto. Aí é como se eu estivesse acompanhado de todo meu povo. Mas, quando eu trago as pinturas, também viro alvo de preconceitos”, lamenta.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que a tendência é ele se sentir cada vez menos solitário. O número de indígenas ingressantes nas universidades públicas e privadas do país subiu 52% em 2016 ante 2015.

Ações afirmativas. A UFMG tem, além das cotas, o Programa de Vagas Suplementares para incluir indígenas. São criadas vagas extras, normalmente duas, concorridas apenas entre indígenas.

Ciência unida à sabedoria dos pajés

Formada em medicina há quase três anos, a indígena Amaynara Silva Sousa, 29, quer unificar os conhecimentos recebidos durante o curso com a sabedoria dos pajés, que utilizam rituais e plantas na cura de doentes da tribo.

Integrante do povo Pataxó, de Carmésia de Minas, na região do Rio Doce, ela quer finalizar a pós-graduação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde se formou por vagas suplementares, e seguir para a Amazônia, onde trabalhou por um ano.

“Acho que tudo parte do respeito. Têm algumas doenças que, enquanto médica, reconheço que precisam de medicamento. Mas, antes disso, o indígena que quiser passar pelo pajé, vai passar. Quando a situação fica grave, o próprio pajé pede para que a pessoa busque um médico. É uma parceria”, afirma Amaynara.

Do Amazonas para virar médica em MG

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Na infância, Adana Omagua Kambeba andava horas seguidas por trilhas entre igarapés no Amazonas para estudar. Na adolescência, ela e a família se mudaram para a área urbana para que ela fizesse o ensino médio e, na fase adulta, ela foi mais longe: atravessou quase 4.000 km para cursar medicina na UFMG. A jovem faz parte da primeira geração de indígenas contemplados por ações afirmativas da universidade.

Reservada, Adana não revela a idade nem gosta de falar muito sobre questões pessoais. Mas, quando questionada sobre os objetivos, responde sem pensar: “Eu quero fazer residência, voltar para minha casa e atender meu povo. Ele está espalhado nas Amazônias brasileira e peruana. Então eu vou para onde houver necessidade de assistência”, afirma.

Preconceito. Há sete anos morando na capital mineira, ela experimenta diariamente o preconceito. “Têm pessoas que se incomodam com indígenas na faculdade e ficam achando que a gente vai fazer competição na cidade. Nós, indígenas, podemos estar onde nós quisermos”, afirma. Segundo o Censo de 2010, 572 mil pessoas se declaram indígenas.Após passar na UFMG por cota, indígena quer atender na tribo