Cerâmica é uma das especialidades dos povos Wauja: legado cultural
Cerâmica é uma das especialidades dos povos Wauja: legado cultural*Kamá Ribeiro/ Correio Popular

Originários do Parque Indígena do Xingu, norte do Mato Grosso, o povo Wauja tem uma herança de mais de mil anos de história, costumes e crenças que estão estampados em adornos, redes, madeiras e cerâmicas moldadas artesanalmente

Originários do Parque Indígena do Xingu, norte do Mato Grosso, o povo Wauja tem uma herança de mais de mil anos de história, costumes e crenças que estão estampados em adornos, redes, madeiras e cerâmicas moldadas artesanalmente. Esse material está disponível em Campinas trazido pelos indígenas que estudam na Unicamp. Eles comercializam o artesanato da tribo para financiar sua permanência na universidade e também para ajudar as famílias que ficaram na aldeia, isoladas desde o início da pandemia.

“Nós somos ceramistas, essa arte é um símbolo da nossa etnia”, afirma Kaji Waurá, que é professor e cursa Mestrado em História da Educação na Unicamp. A coleção de quase 400 peças veio da tribo no início do ano, trazida de ônibus, em uma viagem que durou três dias. Como as exposições, feiras e eventos que eram realizados antes da pandemia foram suspensos, eles agora dependem exclusivamente da venda on-line, com entrega e/ou retirada em Campinas, além da remessa pelo Correio. O catálogo de produtos pode ser solicitado pelo whatsapp (19) 98814 5594.
O encanto das cerâmicas
Kaji Waurá conta que o conhecimento da arte oleira vem do mito Kamalu Hai, que lhes concedeu um conhecimento artesanal exclusivo. A história que passa de geração a geração é que há muito tempo os artefatos cerâmicos chegaram navegando sobre o dorso da grande cobra-canoa Kamalu Hai, que ofereceu ao povo da tribo a visão desse material. Depois ela afundou, deixando grande quantidade de argila ao longo do Rio Batovi. “Quem viu contou aos outros e seguimos pegando esse barro no fundo da água, onde a cobra deixou, para fazermos nossas cerâmicas”, conta o indígena.
As mulheres são responsáveis pela produção, considerada a mais elaborada do Alto Xingu. O barro é coletado pelos homens e as mulheres queimam e moem uma espécie de concha do brejo para juntar à argila e modelar as peças manualmente. A pintura é feita com pigmentos naturais a base de plantas e frutos (como o jenipapo e o urucum), dando vida a desenhos vistos em sonho pelo pajé da tribo. Cada peça leva, em média, 10 dias para ficar pronta. Kaji conta que essas cerâmicas já foram levadas para museus da Suíça, França e Estados Unidos.
Cestaria em extinção
ceramicaO trançado de fibras das cestarias é um legado cultivado desde a antiguidade pelos indígenas, mas encontra-se em extinção nos povos Wauja. O motivo, como relata Kaji, está na diminuição da planta taboquinha na região. Segundo as crenças do povo, cada material tem seu espírito e eles não gostam de poluição. Como as aldeias têm adotado costumes dos brancos, alguns espíritos vão embora porque não suportam os cheiros ruins (de queimadas, de gasolina, de sabonete etc). E, sem seu espírito, a taboquinha, que produz a fibra dos cestos, entrou em extinção na região. Outro forte motivo para a diminuição da fabricação de cestos (e também de remos e arco e flecha) está na tecnologia. Os jovens, envolvidos com o acesso às novas tecnologias – como celulares e computadores – não valorizam mais as artes manuais ensinadas pelos pais.
A única matéria prima que é adquirida fora da tribo é a conta de silicone, transformada em miçangas. Elas são usadas para compor os adornos (pulseiras, colares e brincos) junto com sementes e plumas, em um traçado bastante colorido. As peças estampam símbolos da cultura indígena, como o desenho do Kuarup (ritual dos povos do Xingu em homenagem aos mortos).
Reserva cultural
O Parque Indígena do Xingu (MT) foi a primeira grande Terra Indígena demarcada pelo Governo Federal, em 1961, ao norte do Estado de Mato Grosso. Essa conquista teve como idealizadores os indigenistas irmãos Villas Boas e o antropólogo Darcy Ribeiro. O parque é formado por 16 povos, dentre eles, a etnia Wauja, que mantém o uso da língua materna (arawak-maipure) na tribo. A aldeia tem hoje 725 pessoas e sua sustentabilidade econômica está ligada à venda da produção artística e artesanal. Entre os elementos culturais herdados de seus ancestrais estão as cerâmicas, cestarias, plumagem, máscaras e pinturas corporais.
Adaptação financeira
Kaji Waurá veio para Campinas ano passado com o filho Januário (18 anos, secundarista) para aperfeiçoar os estudos. Ele é formado em pedagogia pela Universidade do Estado de Mato Grosso e dá aulas de português, matemática, história e maipure (língua materna) desde 2001. Ele pretende reassumir as aulas na escola da tribo assim que concluir o mestrado, no próximo ano.
Em Campinas ele, o filho e o primo Mawanaya (estudante de Geografia na Unicamp) moram em uma pequena quitinete próximo à Unicamp. E contam que a maior dificuldade no processo de adaptação é a questão financeira. “Nós não usamos dinheiro na tribo, lá nosso mercado é a floresta e o rio. Tudo que precisamos para nossa subsistência está neles. Já aqui na cidade grande tudo custa dinheiro e nós não temos recursos, somente a venda dos artesanatos e uma pequena ajuda de custo em forma de bolsa da universidade”.