Sem consultar indígenas, como deveria ser feito segundo a Organização Internacional do Trabalho, Belo Sun anuncia licença mineral no Xingu

“Após três anos de análises, vistorias, audiências públicas e diversos estudos, o Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), expediu a Licença de Instalação (LI) em favor da empresa canadense Belo Sun Mineração, responsável pelo projeto Volta Grande, localizada no município de Senador José Porfírio, região Xingu, para extração de ouro, com 12 anos de vida útil e monitoramento de oito anos após o fechamento da mina. A empresa possui Licença Prévia (LP) aprovada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) e expedida pela Semas em 2014”.

A notícia, publicada hoje no site da Secretaria de Estado de Meio ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará, já está……

provocando a esperada reação dos atingidos pelo megaempreendimento. O Ministério Público Federal, em Altamira, e a Defensoria Pública da União, estão questionando, já que, segundo os procuradores, não houve os devidos esclarecimentos, não foram realizadas audiências públicas antes da licença.Além disso, não foi analisado o efeito sinérgico da mineração e hidrelétrica de Belo Monte sobre a região. Quem acompanha as questões de meio ambiente já viu este filme, este enredo, parte da história da humanidade que há tempos vem travando um embate entre preservação do meio ambiente e o desenvolvimentismo.

 

“Vamos ajuizar uma ação na Justiça Federal de Altamira e pedir ao juiz que determine a paralisação do processo de licenciamento”, disse Francisco de Assis Nóbrega, defensor público e secretário-geral da articulação institucional da DPU, ao site Amazônia.

 

Em outro site, do Instituto Socioambiental (ISA), aparecem as primeiras reações da sociedade civil ao que, tudo indica, vai se tornar uma grita semelhante à que se viu durante todo o processo de construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Os técnicos do ISA perceberam que a mineradora canadense Belo Sun, responsável pela obra, que vai se tornar a maior mina de ouro do Brasil, divulgou a notícia no site dela antes mesmo de a licença para a construção ser oficialmente publicada.

 

“O fato de a empresa ter anunciado que tinha conquistado a licença antes mesmo de sua formalização e publicação pelo órgão ambiental responsável demonstra como foi tratado o licenciamento do empreendimento, com total desrespeito pelos procedimentos, sem transparência, e com displicência e descaso com a vida das pessoas que vivem na Volta Grande do Xingu”, critica Adriana Ramos, coordenadora da Política e Direito do ISA.

 

A queixa\denúncia, que embute uma preocupação legítima com a destruição do meio ambiente em nome do progresso do setor privado (nesse caso, segundo o site da empresa, serão criados pouco mais de dois mil empregos somente), já é recorrente aos ambientalistas que dedicam parte de suas vidas a tentar fazer com que tais questões se tornem de domínio público. O megaempreendimento está sendo classificado como “bomba-relógio ambiental” porque, conforme o estudo de impacto ambiental entregue à Semas, “prevê deixar montanhas gigantes de rejeito com aproximadamente duas vezes o volume do Pão de Açúcar e a construção de um reservatório também de rejeitos, ainda mais tóxicos do que os liberados no desastre de Minas Gerais (Mariana)”.

 

André Villas-Boas, secretário executivo do ISA, lembra ainda que, como acontece quase sempre, a opinião dos povos indígenas que serão impactados pela obra, nesse caso os que habitam a região do Xingu, foi menosprezada. A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Pará ingressaram com duas ações para impedir a licença. O Ministério Público Federal (MPF) enviou à Secretaria de Meio Ambiente do Pará uma recomendação contra a medida. Já havia duas outras ações anteriores movidas pelo MPF contra o empreendimento.

 

No comunicado, a empresa agradece aos “povos da região” o apoio ao empreendimento, mas na verdade o sentimento dos indígenas não é amigável. Se as ações contrárias à obra  não surtirem o efeito desejado pelos ambientalistas, a mineradora vai  se instalar a perigosos 9,5 km de distância da Terra Indígena de Paquiçamba, a 13 km da Arara da Volta Grande do Xingu e também muito próximo à Ituna, uma terra habitada por indígenas isolados. Todas as informações estão no site do ISA.

 

A mina encontra-se numa localidade próxima à Vila da Ressaca, comunidade de 300 famílias que dependem da roça, da pesca e do garimpo artesanal para sobreviver. Serão reassentadas se o projeto sair do papel.

 

Já a mineradora, em seu site, comemora a licença. “É uma grande propriedade dentro de um cinturão verde de 120 quilômetros no Nordeste do Brasil, com grande recurso mineral e excelente potencial de crescimento”, diz o texto. Medem em onças (medida de volume utilizada nos países anglo-saxões primordialmente) o produto da mineração: a mina vai render 205 mil onças em cerca de 17 anos.

 

Por que investir em mina de ouro? A pergunta é feita pela própria corporação, e ela mesma dá a resposta em seu site: “Para gerar valor sustentável a longo prazo aos seus acionistas”.

 

Em 1970, o economista Milton Friedman lançou um banho de água fria sobre as pretensões de alguns estudiosos que desde o fim da II Guerra vinham sinalizando a necessidade de as empresas terem uma visão social, além da econômica. Num artigo polêmico, ele disse claramente que a função das corporações não deve ir além da original, que é lucrar, dar empregos e permitir aos acionistas ganhar dinheiro.

 

“O que significa dizer que o empresário tem uma ‘responsabilidade social’? Por exemplo, que ele deve se abster de aumentar o preço do produto, a fim de contribuir para o objetivo social…ou que ele deve fazer gastos para reduzir a poluição além da quantidade que seja do interesse do negócio da empresa ou que é exigido por lei, a fim de contribuir para melhorar o meio ambiente.  Em cada um desses casos ele estaria gastando o dinheiro de outra pessoa para um interesse social geral”, escreveu ele.

 

Não trago o pensamento de Friedman à toa para a reflexão que proponho neste texto. E é importante lembrar que já se passaram mais de quatro décadas desde que ele escreveu o artigo. De lá para cá já se colheu provas contundentes de que o lucro que as empresas geram atinge alguns, não todos. E que os impactos causados pela produção industrial têm sido muito mais danosos não só ao meio ambiente como à vida da humanidade do que se imaginava.

 

A apresentação do projeto no site da empresa me fez lembrar, no entanto, esse tempo. Sim, está anacrônico com tudo o que já foi dito e com todos os acordos e pactos já conseguidos para minimizar os impactos das produções ao meio ambiente. Mas, infelizmente, está perigosamente de acordo com o pensamento do presidente Donald Trump, da nação mais rica e poderosa do planeta.