O pesidente da Funai é contra as políticas públicas para povos indígenas do governo. Fonte: Valor/ Daniela Chiaretti | De Brasília

Em uma entrevista exclusiva concedida ao jornal o Valor, o pastor evangélico Antônio Fernando Toninho Costa, que chefia a Funai, local que recebe os deputados Ruralistas, radicalmente contra os indígenas, diz está comprometido em resolver conflitos históricos, indígenas, e que não é político, e só é pastor nos fins de semanas. Em trechos da entrevista é questionado sobre demarcações, mas não assume responsabilidade nem transparência nas mesmas, argumentando diálogos com a comunidade indígenas, o que de fato não acontece. Com ações e afirmações que o governo tem que deixar de dá assistência aos índios, e que vai “Ensinar a pescar” aos mesmos, o pastor vem revelando ser um falso mediador. Demonstrações claras de desrespeito pela cultura e costumes dos povos indígenas. Veja a entrevista na íntegra aqui.

Valor: O que o qualifica para defender os direitos dos índios?

Antônio Fernandes Toninho Costa: A minha história de defesa dos povos indígenas, tanto na saúde quanto na militância das políticas em 25 anos de trabalho. Morei em aldeias, temos comprometimento com a causa já de muitos anos. Quando fui convidado para assumir o ui convidado para assumir o desafio da Funai compreendi que seria uma mudança de posição, mas que as políticas são idênticas. Saúde e terra se combinam.

Valor: O senhor ficou mais próximo de quais povos indígenas?

Costa: Já tive oportunidade de trabalhar com todos, mas tive uma experiência importante no Mato Grosso do Sul, quando coordenei uma força-tarefa no grave problema da desnutrição infantil. Fui para ficar duas semanas e acabei ficando quatro anos. Trabalhei com guarani-kaiowá, terena, kadiwéu e ofaié-xavante.

 Valor: Qual o interesse do PSC na Funai, órgão de atuação complexa que os partidos costumam rejeitar?

Costa: Quis o PSC trazer para dentro do Funai a experiência de alguém que tinha conhecimento das políticas indígenas, para mostrar que é possível o partido desenvolver este trabalho com uma política diferente. O partido escolheu um técnico, eu não sou político e me sinto honrado de estar aqui. Vamos desenvolver uma política não só do PSC, mas de todos os partidos. O principal partido é o do índio, que temos que defender.

 Valor: O senhor se coloca como técnico, mas foi, por vários anos, assessor parlamentar do PSC.

Costa: Sim, assessorei comissões de direitos humanos, da Amazônia, não parlamentares diretamente. Não estou aqui para defender bandeira partidária, mas a política indigenista que está na Constituição, no regimento interno da Funai. Estou apenas comandando uma legislação em defesa dos povos indígenas.

 Valor: Qual é o plano do governo Temer para a Funai e os índios?

Costa: Este plano começaremos a construir agora, com um diálogo envolvendo o Congresso Nacional, populações indígenas e servidores. A Funai precisa de reformulação.

 

Valor: De que tipo?

Costa: Em todos os sentidos. A começar pelos servidores, que não têm plano de cargos e salários e vêm sofrendo com as várias mudanças de presidentes. Isso cria um fator preocupante de instabilidade. Temos aqui os melhores técnicos do país, são servidores comprometidos. Vejo este sentimento lá na base, os servidores são verdadeiros anjos destas populações.

Valor: A Funai está fragilizada politicamente, em número de funcionários e no orçamento. O que é possível fazer com esse cenário?

Costa: Com entendimento, com diálogo. Na crise que estamos passando, a instituição sofre muito porque tratamos com populações vulneráveis. Isso cria um problema social enorme para a instituição.

Valor: Como a Funai terá força?

Costa: Buscando entendimento com o Parlamento, com os ministérios. A minha meta é o fortalecimento da instituição. Se a Funai se fortalece, temos condições de diminuir os conflitos. A Funai é importante para trazer a paz que o país precisa, a paz no campo.

Valor: Irá buscar mais recursos?

Costa: Vou lutar por mais recursos seja através de emendas parlamentares seja através de parcerias. Já abrimos caminho com parceiros internacionais como Alemanha e Noruega. Pretendemos nos reunir com a comunidade europeia para mostrar a necessidade que venham a investir no nosso país e nas populações indígenas.

Valor: O sr. recebeu os deputados Luis Carlos Heinz (PP-RS) e Valdir Colatto (PMDB-SC), lideranças da bancada ruralista. Qual a pauta?

Costa: Como presidente da Funai tenho que atender a todos. Foi uma pauta positiva porque estamos buscando o diálogo que precisamos. Deixei bem claro para os deputados que só conseguiremos resolver os conflitos a partir do momento em que as duas partes sentarem para conversar, e a Funai vai ser este elo de mediação. Quero fazer com que haja harmonia no segmento ruralista e indígena. Somos irmãos, somos brasileiros. Precisamos desse entendimento.

Valor: Ruralistas defendem a não ampliação de terras indígenas e temas controversos como o marco temporal, pelo qual índios só poderiam reivindicar direito à terra se estivessem nela em 1988, data da promulgação da Constituição. Isso exclui povos expulsos, como os guaranis. Qual a posição da Funai?

Costa: No momento em que a legislação não foi modificada, temos que seguir o que a Constituição determina. O artigo 231 da Constituição (no capítulo indígena, reconhece aos índios seus costumes e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las) é incisivo. Não há nova proposta até o momento.

Valor: Até o momento?

Costa: Há um momento em que precisamos abrir o debate para fatos novos. O país cresceu, as populações indígenas cresceram, as situações modificaram. O momento requer uma discussão O melhor é ouvir as populações indígenas e também a outra parte. Sou a favor do entendimento. Da forma como está não podemos conviver mais.

 Valor: Com legislação diferente?

Costa: Tem que ser uma legislação que contemple as partes envolvidas. Até o próprio governo não tem no seu orçamento um fundo indenizatório de terras. De repente podemos s propor para se criar.

Valor: O senhor trabalhou na Missão Caiuá, atuou no Mato Grosso do Sul. Conhece o problema dos guarani-kaiowá. Como imagina a solução desse drama histórico?

Costa: Vou dar o exemplo das aldeias de Dourados (terra indígena de 3.474 hectares demarcada antes da Constituição e onde vivem 11 mil índios) Jaguapiru e Bororó, que conheço. É uma população crescente em uma extensão de terra que não contempla a comunidade. Temos que resolver isso de forma que a população tenha condição de viver. Mas não temos um fundo para comprar terra para essas populações. Quando a gente, legalmente, consegue fazer todo o processo das terras indígenas, esbarramos na questão financeira

Valor: O senhor acha que os guarani kaiowá têm que sair de lá?

Costa: Não. Tem que dar condições de produção a esses povos. Lá eles já têm casa, saneamento, eletrificação. O objetivo do nosso plano de ação é de eles produzirem. Trabalhar a sustentabilidade. O governo não tem mais condição de ser tutor, de bancar estes projetos. Não há mais condição financeira.

Valor: Não é uma política assistencialista, é para deixar o índio mais independente?

Costa: O momento da Funai assistencialista não cabe mais, temos que produzir sustentabilidade, ensinar a pescar. Temos que dar, nas áreas viáveis, condições de produção, de ecoturismo, ter pesca esportiva na Amazônia. Já há projeto-piloto nesse sentido.

Valor: O senhor não teme que isso descaracterize culturas?

Costa: Não. Muitos europeus e outros poderiam visitar aldeias e ajudar a preservar a cultura. Temos que, primeiramente, fortalecer a Funai. Se ela não se fortalecer não tem condição nenhuma de colocar em prática a questão da terra, da demarcação e da sustentabilidade.

Valor: Tem ocorrido o processo contrário, de enfraquecimento.

Costa: E foi isso que causou as crises. A população cresceu. Qual órgão do governo hoje daria conta das políticas indígenas? É a Funai, não tem outro.

 Valor: O senhor assumiu e veio a polêmica em relação ao processo demarcatório da Portaria 68, que caiu, mas foi substituída por outra que manteve um grupo de trabalho no Ministério da Justiça. Que instância de governança é essa? Esse grupo não tira poder da Funai?

Costa: Não. Tiraria se a Funai não estivesse presente. Acho que dentro deste GT temos que mostrar a realidade que precisa ser feita. Não vejo a portaria como uma afronta. Pelo contrário, é uma oportunidade de a Funai participar e mostrar como é possível enfrentar esse grave problema.

Valor: Qual é a sua proposta?

Costa: Defendo o fortalecimento da instituição. O que nos cobram lá fora, diante do quadro que encontramos, não temos como resolver. Temos um quadro de funcionários que já está se aposentando. Em 2020 vamos perder praticamente 30% da nossa mão de obra de trabalho. Esse concurso público precisa ser vitalizado de forma urgente, para que os 220 concursados venham para a instituição. Nós não temos pessoal, não temos recursos, não temos orçamento – o que o governo pode cobrar de uma instituição dessas? Só com o fortalecimento será possível dar respostas para que a Funai não seja o feio, que é como as pessoas tratam a fundação. É instituição histórica que temos que defender até as últimas forças.

 Valor: A Funai levou tranco recente na licença concedida pela secretaria do Meio Ambiente do Pará à mineradora Belo Sun, ignorando um parecer do órgão que dizia que não foi feito nenhum trabalho em relação às populações indígenas.

Costa: Estamos tranquilos porque os órgãos de defesa, como o Ministério Público, já tomaram posição e estão pedindo cancelamento da operação. Não sou contra nenhum empreendimento, mas sou a favor que haja equilíbrio ecológico e dos povos que ali vivem. Os exemplos de mineração neste país foram bem retratados com o caso Mariana.

 Valor: A agenda do PMDB é forte na mineração e conflituosa com terras indígenas. Como resolver?

Costa: Sou a favor que tudo seja feito dentro da forma legal e que não agrida o meio ambiente nem as pessoas. O país tem que se preparar para este tipo de empreendimento, que não pode mais ser desenvolvido da forma como está. Há passivo ambiental e não só quanto a populações indígenas. Somos brasileiros, o progresso é importante, mas desde que haja respeito à natureza e ao ser humano.

Valor: Que terras indígenas o senhor quer demarcar? Costa: Tenho pedido ao governo que este ano, dos 50 anos da Funai, possa ser feita uma pauta positiva até para a própria imagem do presidente Michel Temer. Há 13 processos prontos e que podem ter definições. Não gostaria de citar quais para não criar expectativa porque trata-se de uma decisão do ministro e do governo. São áreas que não têm conflitos.

 Valor: Há quem tema, pelo fato de o senhor ser pastor e ligado ao PSC, que a Funai tenha uma orientação ao proselitismo. Costa: Sou pastor no fim semana. Isso é particular, é coisa íntima, jamais vou trazer para o meu trabalho. E o PSC não é um partido evangélico, temos espíritas também. Nos 25 anos que trabalhei com populações indígenas sempre fui evangélico. E nunca levei a pregação da minha convicção religiosa. Se tem uma coisa que respeito é religião e política.

Valor: Como o senhor vê o processo de evangelização indígena?

Costa: Da mesma forma que tem o processo de evangelização, temos o Cimi (Conselho Missionário Indigenista) que faz um trabalho importante, são parceiros. Trato como parceiros a Igreja Católica, os missionários.

Valor: E a PEC 215, que transfere para o Congresso o processo de demarcação das terras?

Costa: A PEC 215, como conversei com os representantes ruralistas, temos que discutir, mas com as duas partes sendo ouvidas. Hoje a minha posição é a da Constituição, que não foi mudada. Temos que seguir o que ela determina.

Valor: Acha que o Congresso teria condições de avaliar esse tema?

Costa: O Congresso tem que abrir um caminho de negociação com a participação da instituição e dos indígenas. O presidente da Funai terá uma agenda com deputados e senadores, para conversar. Vejo que o Congresso não conhece de forma efetiva o trabalho da Funai, por incrível que pareça.

Valor: Há racismo com as populações indígenas no Brasil?

Costa: Acho que há discriminação até por falta de conhecimento, como também há com negro. Isso é comum no nosso país. As escolas tinham que ensinar mais sobre as políticas indígenas brasileiras. O índio é o descobridor da terra, é o dono da terra, e foi através dele que a nossa cultura surgiu. Todos nós temos um pouco de índio. Queria pedir à sociedade, ao Congresso, aos trabalhadores e às populações indígenas que me deem um tempo para eu colocar minhas ideias. Nem todas serão aceitas. Mas pelo menos eu tenho vontade de trazer paz no campo com nosso trabalho. Meu objetivo é paz, diálogo e negociação permanente.

* Daniela Chiaretti | De Brasília/Valor