Cinco dos sete indígenas recém-contatados no Alto Rio Envira (AC). foto: Gleilson Miranda/Secom-AC

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, estará nesta quinta-feira, 14, em Cruzeiro do Sul, no Acre, para uma reunião com as lideranças indígenas do estado na aldeia Barão, do povo Poyanawa. Entre o grupo que deve conversar com o general, estavam três representantes dos sete indígenas recém-contatados do igarapé Xinane no Alto Rio Envira, já na fronteira com o Peru. Entretanto, não houve diálogo algum com estes indígenas. Os recém-contatados, revoltados com a situação a que estão submetidos na Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, se recusaram a falar; chegaram no domingo, dia 10, mas já regressaram ao município de Feijó nesta terça-feira, dia 12.

Os servidores da Frente Etnoambiental tentaram contornar a situação, conforme apuração com fontes indígenas e indigenistas que estão em Cruzeiro do Sul. Afirmaram que são boatos os casos de violência sofridos pelos recém-contatados e caso fossem verdadeiros, os servidores e trabalhadores da Frente já teriam sofrido represálias. Fato é que os sete se negam a voltar para a Frente Etnoambiental, a todo custo, com a presença na área de servidores e trabalhadores do órgão indigenista. Ao presidente da Funai, os indígenas – levados ao encontro pelos servidores da Frente Etnoambiental – poderiam denunciar toda a condição crítica em que vivem, os casos de violência perpetrados contra eles e o que desejam como projeto de vida para si e ao povo que pertencem. Além dos sete, por volta de 30 outros indivíduos, entre homens, mulheres, crianças e anciãos, habitam as proximidades da Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, mas que não estavam no contato estabelecido com a Funai e os Ashaninka há aproximadamente três anos e meio na altura da aldeia Simpatia, na Terra Indígena Kampa/Isolados.

Os sete estão residindo atualmente na aldeia Morada Nova, do povo Shanenawa, localizada quase na frente do município de Feijó – a cerca de 500 metros do porto da cidade, às margens do rio Envira. Da aldeia Shanenawa até a Frente de Etnoambiental, Envira acima, são mais ou menos sete dias de canoa (500 km de distância). Conforme relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), intérpretes Jaminawa afirmam que os “recém-contatados estão insatisfeitos com o trabalho da Funai, pois os servidores negam coisas que pedem como por exemplo sal, açúcar, inclusive existem relatos de violência, como por exemplo o episódio em que um servidor ou trabalhador da Frente Etnoambiental bateu em um indígena com um terçado”, diz trecho do documento. Para o missionário Rodrigo J. Domingues, da Equipe de Apoio aos Povos Isolados do Cimi, a situação é delicada e com graves indefinições.

“Na opinião dos indígenas recém-contatados, eles só vão continuar no Alto Rio Envira se a Funai sair de lá e a assistência ser feita exclusivamente por outros indígenas ou então eles vão ir embora morar seja com os Shanenawa ou com os Jaminawa, inclusive um deles já queria ir embora para morar no rio Iaco (área dos Jaminawa)”, salienta o missionário. “As informações colhidas são em sua grande maioria provenientes de conversas informais e espontâneas e também do que eu mesmo vi durante minha participação na Assembleia de Mulheres Indígenas, que ocorreu entre os dias 6 e 8 de dezembro (na aldeia Morada Nova)”, explica.

Seis indígenas são adultos e um deles é uma criança com idade entre oito e dez anos. Estão na aldeia Shanenawa há alguns meses. Três “baixaram” na primeira viagem, em agosto, e não regressaram; outros três chegaram no dia 28 de novembro. “Pelo que percebi, estão habitando uma casa que aparenta ser exclusiva para eles, inclusive vi dois deles pondo a roupa lavada para secar no varal. Transitam à vontade pela aldeia”. As razões que os levaram ao contato envolvem a violência que vinham sofrendo, denunciada pelo Cimi, atendendo denúncia feita pelo povo Ashaninka e Madija, poucos meses antes do contato controverso e desastrado estabelecido por servidores da Funai, entre 26 e 29 de junho de 2014. “Segundo as pessoas com quem conversei, houve o assassinato do líder do grupo e eles ficaram desamparados e decidiram fazer contato em busca de uma “vida melhor” com o pessoal da Frente Etnoambiental”, explica o missionário do Cimi.

No começo houve esperança. A atenção da mídia nacional e internacional pressionou a Funai a reativar a Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, abandonada em 2012 depois de sofrer um ataque de narcotraficantes. Nela residia e trabalhava o experiente sertanista José Carlos Meirelles, que por lá chegou em 1988. Com o passar do tempo, os indígenas perceberam que não houve melhoria alguma. A Funai passou a negar os pedidos feitos pelos recém-contatados, que por sua vez começaram a se aventurar por lugares fora do Alto Envira, sobretudo na cidade de Feijó. “Como eles são a grande novidade da região, as pessoas não negam nada a eles, seja dormida, alimentação. Sendo assim, eles estão vivendo um mundo de deslumbres, mas que obviamente isso uma hora vai acabar”, pontua o missionário.

Três anos após o primeiro contato, um grupo com cinco destes então isolados visitou, levado por servidores da Funai, a cidade de Feijó – distante 366 km da capital Rio Branco. O fato ocorreu no último dia 17 de agosto, ou seja, há quatro meses. Chamados de “Povo do Xinane”, visitaram o comércio local, lojas, atraíram a atenção de moradores e da mídia nacional. De acordo com a Funai, os indígenas queriam saber de onde os brancos vinham, como era a vida fora da floresta e o que nela há. Uma curiosidade natural, mas ao mesmo tempo repleta de perigos inerentes a indivíduos que, por exemplo, cresceram sem conviver com doenças comuns ao ambiente urbano.

Trauma da Funai

“Eles pegaram trauma da Funai, basta alguém aparecer com um uniforme que tenha o logotipo da Funai para eles ficarem insatisfeitos e pedirem para sair dali (…) Chegaram a planejar (…) de ir na casa da Frente Etnoambiental à noite (…) para tacar fogo na casa”, contou Aderaldo Jaminawa, um dos intérpretes. Quanto ao fato de se instalarem de forma definitiva com os Shanenawa, “muitos desdobramentos irão surgir, ao que parece os Kaxinawá que partilham a terra não foram levados em conta no processo, a terra indígena apresenta uma grande degradação ambiental, inclusive sendo cortada pela BR-364, e nessa perspectiva do grupo todo morar por lá, certamente muito dos padrões alimentares, habitacionais e culturais serão afetados, já que a área é pobre em caça, igarapés limpos, água potável e palha para cobrir casas (…) não duvido que construam poços artesianos e casas de tábua serrada e telha de amianto para eles”, analisa o missionário do Cimi.

As lideranças Shanenawa não permitiram que os recém-contatados fossem morar com os Jaminawa, conforme a apuração da equipe do Cimi; motivo de “acentuada” preocupação para os missionários. Aos indígenas do Xinane foi permitido “escolher um local dentro da Terra Indígena Katukina-Kaxinawá (suponho que seja próxima das aldeias Shanenawa) e que poderão morar por lá, inclusive buscando o resto do grupo que continua no alto Envira, para serem “domesticados” (SIC) e aprenderem a trabalhar e saber o valor das coisas, como o preço de um motor, gasolina, comida, etc”. Além destes pontos, desperta sinal de alerta um projeto gestado pelo Fundo Amazônia (SEPLAN), de 20 a 30 milhões de reais, e que pode ser aprovado em breve, para implantação de várias atividades, entre elas o etnoturismo nas aldeias Shanenawa – os recém-contatados, sem dúvida, virariam uma espécie de atração à parte.

“Quanto ao fato de não estabelecerem mais diálogo com a Funai, isso certamente acarretará em situações de abuso ou abandono já que o “re-isolamento” no Alto Envira  parece estar descartado por eles (pelo menos para os que estão na aldeia Shanenawa) e temo profundamente que na primeira animosidade com os Shanenawa, eles se mudem para a cidade, caindo na mais absoluta mendicância e desassistência pela qual já passam os outros povos da região. Vale lembrar que a aldeia Shanenawa da Morada Nova fica a pouco mais de 500 metros da cidade de Feijó”, destaca o missionário do Cimi.

Os sete indígenas, no aspecto sanitário, não aparentam ter problemas de saúde, são todos jovens e sempre estavam comendo as refeições que eram servidas na Assembleia das Mulheres. No relatório, o missionário destaca que a criança passava mais tempo conversando com os Shanenawa do que com seus familiares, e sempre havia alguns deles acompanhando a Assembleia de Mulheres. “Na hipótese do grupo se mudar para tão próximo da cidade, certamente ficarão mais expostos a toda sorte de enfermidades, principalmente as crianças e anciãos”, acrescenta Domingues. Apurando junto aos Ashaninka, o missionário chegou ainda à informação de que duas canoas com indígenas deste mesmo povo dos recém-contatados, e que habitam as proximidades da Frente Etnoambiental, estariam baixando o rio, rumo ao município de Feijó, e que se encontravam numa região não muito longe da cidade, nas proximidades do igarapé Preto.

Fonte: CIMI – Por Renato Santana