AMEAÇA DE GANHAR NO PRIMEIRO TURNO É A “FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA” PARA PRISÃO DE LULA
Wenceslau Junior | wenceslau.uesc@gmail.com
“Porém, no caso Lula, ao que me parece, o único fundamento que lastreia não é a ameaça à ordem pública ou outro contido no artigo 311 do CPP, mas a ameaça certa de que se permitirem que seja candidato será eleito no primeiro turno e retomará a agenda social e progressista interrompida pelo baixo e duro golpe de estado.
A pré-candidata a presidenta da República pelo PCdoB, deputada estadual gaúcha Manuela D’ávila (Manu), compara a posição do STF em lavar as mãos e permitir a prisão absurda de Lula condenado sem provas, à mesma posição da Suprema Corte Brasileira ao permitir a extradição de Olga Benário para a Alemanha Nazista em 17 de junho de 1936, onde acabou morta numa câmara de gás.
Sem adentrar ao mérito da condenação, porque a pressa de encarcerar um homem que não representa qualquer perigo à sociedade?
Analisando friamente os dispositivos constitucionais iremos concluir que a decisão do STF que acabou tornando regra a execução automática da pena após confirmação da condenação em segunda instância é flagrantemente inconstitucional.
Não é necessário ter formação jurídica para entender a afirmação acima. Basta apenas saber ler e interpretar literalmente o texto constitucional e a legislação infraconstitucional. Vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;”
Como se nota, o inciso LVII é claro ao afirmar a impossibilidade de formação de culpa antes do transito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, após esgotados todos os recursos possíveis de serem utilizados pela defesa do réu.
Se existem recursos protelatórios, que proponham a sua supressão através de uma reforma do Código de Processo Penal e de mudanças nos próprios regimentos dos órgãos colegiados.
Se a Justiça é morosa e permite prescrições e impunidade, que há modernizem e aumentem o número de Juízes e Servidores, mas o réu não pode pagar a conta.
O legislador infraconstitucional, em homenagem ao princípio da presunção de inocência insculpida no inciso LVII da CF acima transcrito, fez constar no Código de Processo Penal Brasileiro o seguinte imperativo:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Portanto ao analisar o caso concreto da prisão de Lula constatamos que: a) Não se trata de flagrante delito; b) também não decorre de sentença condenatória transitada em julgado, pois ainda existem vários recursos possíveis de serem interpostos; c) também não se trata de prisão temporária ou preventiva.
Resta pois o argumento de que a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária é a própria sentença de Juiz do primeiro grau, ratificada pelo TRF4.
Porém o próprio Eminente Ministro Roberto Barroso que votou pela denegação da ordem de Habeas Corpus afirmou desconhecer o conteúdo da Sentença Penal Condenatória. Bem como a Eminente Ministra Rosa Weber afirmou ter convicção pessoal da inconstitucionalidade da jurisprudência que permite a prisão após confirmação da condenação em segundo grau, porém, também votou pela denegação da ordem.
Tudo isso, junto com a manobra de colocar o HC de Lula antes do Julgamento das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade da prisão automática após confirmação da condenação em segundo grau, fornece a qualquer leigo a certeza de que a prisão de Lula é um ato político sintonizado com o Golpe de Estado que derrubou Dilma para implementar uma agenda neoliberal derrotada quatro vezes seguidas nas urnas pela grande maioria do povo brasileiro.
Não precisa mudar a Constituição para iniciar a execução da pena antes do trânsito em julgado, vez que os artigos 311, 312 e o próprio 283 do CPP estabelece as condições para o encarceramento, mesmo antes da condenação em primeiro grau. Olha, quem pode mais, pode menos.
Concluo afirmando que a atual permissão genérica de execução da pena automática após confirmação de sentença penal condenatória em primeiro grau pelo órgão colegiado tem dias contados para acabar. Basta colocar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade na pauta do STF.
Porém, no caso Lula, ao que me parece, o único fundamento que lastreia não é a ameaça à ordem pública ou outro contido no artigo 311 do CPP, mas a ameaça certa de que se permitirem que seja candidato será eleito no primeiro turno e retomará a agenda social e progressista interrompida pelo baixo e duro golpe de estado.
Wenceslau Augusto dos Santos Junior é professor e Direito da UESC