solimõesRio Solimões, na Amazônia, onde povos indígenas pescavam e cultivavam
Pesquisadores mostram que os habitantes que viviam na região tinham hábitos sofisticados de pesca e alimentação

Aos poucos, novas pesquisas têm derrubado a imagem de que as as antigas sociedades indígenas brasileiras não tinham complexidade cultural. Há mais de 500 anos, havia grandes povoados, com milhares de índios, vivendo próximos à beira de rios na Amazônia. Índios construíam estradas, cultivavam vegetais e contavam com uma variedade de objetos sofisticados para seus para rituais. Agora, sabe-se que eles também tinham hábitos alimentares diferentes do que se pensava. 

A imagem mais comum propagada ao longo dos anos era da população indígena vivendo um modo de vida baseado principalmente na coleta de alimentos e na caça mamíferos. No entanto, um novo estudo arqueológico conduzido por Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, e Gabriele Prestes-Carneiro, doutoranda em Pré-História, pelo Muséum National d’Histoire Naturelle, na França, revelou que a maior parte da população vivia de pesca e répteis, principalmente tartarugas. Mamíferos eram caçados apenas esporadicamente.

Os pesquisadores encontraram vestígios de milho, inhame, mandioca, palmeiras e mais de 10 mil animais vertebrados, entre eles mamíferos, répteis e peixes. Mais de 90% dos animais, no entanto, eram peixes. Na sequência vieram quelônios, principalmente tartarugas. Mamíferos, que estavam entre os animas que os arqueólogos mais esperavam encontrar, correspondiam apenas a 3% dos vestígios.

Os arqueólogos afirmam ainda que os índios se alimentavam de aves, cobras e jacarés. Além disso, o cardápio de peixes era bem variado: eles comiam ao menos 37 tipos. “A diversidade do pescado consumido pelos índios pré-históricos demonstra que eles tinham grande conhecimento dos hábitos daquelas espécies, bem como o domínio de técnicas sofisticadas de pesca”, diz a Agência da Fapesp, que apoiou a pesquisa.

O trabalho foi publicado na revista científica  “Journal of Archaeological Science” e as escavações foram feitas no sítio arqueológico Hatahara, que vem sendo estudado há mais de uma década. O sítio fica na margem esquerda do rio Solimões, em Iranduba (AM) e próximo do encontro dos rios Negro e Solimões, considerada uma das regiões de maior biodiversidade do mundo. Arqueólogos acreditam que a região foi ocupada por mais de mil anos, entre os anos 300 e 1500. O estudo, no entanto, se concentrou no período de 750 a 1230.

Número de escavações fornece indícios da ocupação populacional da região#

 

No passado, população indígena vivia em cidades #

Em entrevista ao Nexo no início de dezembro, Eduardo Neves, professor titular de Arqueologia Brasileira na USP e um dos principais pesquisadores da história  amazônica, conta que existiam na Amazônia antiga cidades de tamanhos diversos com estradas que chegavam a conectar dezenas de localidades.

Outros estudos, como o liderado por Michael Heckenberger, arqueólogo americano, descrevem diferentes categorias de aglomerados – alguns com populações entre 2,5 mil e 5 mil pessoas.

Heckenberger ainda fala em obras públicas desenvolvidas através de engenharia habilidosa (como praças, ruas, fossos e pontes). O material de construção vinha principalmente do solo, que, de acordo com Neves, foi “a principal matéria-prima utilizada pelos povos antigos da Amazônia para erguer as estruturas de suas construções, seus canais de irrigação, seus locais de culto religioso”.

No entanto, apesar de toda a sofisticação, as populações amazônicas não escaparam do mesmo destino de outros povos indígenas ao redor do mundo. Morreram por doenças trazidas pelos europeus, como gripe, varíola e sarampo, e também por massacres promovidos pelos colonizadores.