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Silane Souza Manaus (AM)

Como habitantes milenares da região, os índios foram os primeiros a criar modos de cozinhar típicos, que perduram até os dias de hoje entre as tribos que não mantêm muito contato com o “homem branco” e ainda seguem sua cultura. Mas a influência dos costumes dessa população na culinária amazonense é facilmente notada, a começar pelos ingredientes que fazem parte dos pratos da mesa do “caboclo”: peixes, raízes, sementes, folhas e frutos, riqueza que a própria natureza e a floresta oferecem.

Nessa última semana, muitos puderam conferir um pouco da gastronomia indígena nas oficinas apresentadas pela coordenadora do curso de Gastronomia do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa), Débora Valente, durante a 1ª Mostra Multidisciplinar sobre os Povos Indígenas, realizada entre segunda e quarta-feira, no Centro Cultural dos Povos da Amazônia, na Zona Sul. Na ocasião, ela fez releitura de três pratos, mas sempre destacando o modo original como são feitos.

Ela explica que os indígenas amazonenses consomem alimentos encontrados tanto na fauna quanto na flora da região, como por exemplo: a mandioca em forma de farinha d’água e seca, beijus que podem ser brancos ou amarelos, dependendo da farinha utilizada, pé-de-moleque (o pão do índio), chibé, tapiocas, mingau de banana e de frutas, utilizando sempre como base do mingau, a goma. Consomem também, as frutas, o pescado, a caça, as batatas e outras raízes como o ariá e o cará roxo.

Débora ressalta que cada etnia tem sua preferência e seu paladar. Algumas preferem e usam bastante pimenta, outras não. “Assim como temos a peculiaridade em cada região do país, os indígenas também têm em cada etnia. Mas podemos identificar de forma abrangente o uso, além das pimentas como: malagueta, murupi, pimenta-de-cheiro, do tucupi que é extraído da mandioca brava, o jambu, chicória, urucum, alfavaca e o cipó-alho, entre outros”, aponta.

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(Foto: divulgação)

Conforme a professora, a cozinha indígena é a mais autêntica ou original do Brasil, conservando sua simplicidade baseada em fogo e água. “Podemos identificar alimentos assados, cozidos e moqueados em folhas de pacovã-sororoca, arumã, pupeca, bananeira comum ou em folhas de palmeiras. Não utilizam na cocção (cozimento) dos alimentos nem sal e nem açúcar. E essa cozinha dos povos indígenas continua viva na Amazônia, e influenciando o que se come no resto do Brasil”.

Ela ressaltou que, dependendo da etnia, somente as mulheres mais experientes que também são chamadas de donas da sabedoria e do conhecimento na preparação dos alimentos é que cozinham para a comunidade indígena, repassando para as indígenas mais jovens para aprimorarem seus conhecimentos, e assim dar continuidade a forma simples de cozinhar, preservar e cultuar os alimentos dos seus ancestrais.

 

“Numa aldeia indígena, o preparo dos alimentos é de responsabilidade sempre das mulheres. Aos homens, cabe a função de caçar, pescar, construir suas malocas e dar segurança aos membros da comunidade indígena”. Débora Valente (centro), coordenadora do curso de Gastronomia do Ciesa (Foto: divulgação)

Boas práticas

A coordenadora do curso de Gastronomia do Ciesa, Débora Valente, garante que em sua maioria, os pratos indígenas são possíveis de ser reproduzidos em casa, claro que com toda a segurança alimentar e boas práticas na preparação dos alimentos.  “A alimentação indígena é feita de forma muito simples de um modo geral, com ingredientes que estão à disposição”.

Prato indígena na perspectiva da gastronomia contemporânea

Para Débora Valente, fazer um prato indígena na perspectiva da gastronomia contemporânea não é contribuir com o fim da culinária deste povo porque independentemente da mudança social e cultural em volta dos povos indígenas, a tradição está tão enraizada que ela continuará sendo difundida dentro do seu próprio povo, estando eles em área urbana ou não, e a forma de se alimentar também é expressão dessa cultura e tradição dos ancestrais indígenas.

“Quando falamos em ‘adaptar’ estamos nos referindo ao cuidado com a higiene e ao modo de preparo para a sociedade ocidental, para os brancos. E não necessariamente ao método de cozimento em si. Também temos que entender que a gastronomia contemporânea não modifica a receita original, ela apenas cria uma releitura do que já existe para um público novo que não está acostumado com essa culinária”, explica.

Principais alimentos consumidos pelos índios

Frutas: bacuri, manga, uxi, pupunha, abacaxi, banana, buriti, bacaba, cupuaçu, açaí, mamão, pequiá, graviola, sorva, patauá, taperebá, araçá, tucumã, a castanha do Brasil, entre outras.

Verduras e legumes: cubiu, alfavaca, chicória, cariru, mangarataia, entre outros.

Raízes: mandioca, macaxeira, ariá, cará roxo.

Carne de animais caçados na floresta: porco-do-mato, queixada, caititu, paca, veado, cutia, capivara, macacos e anta sendo essa última comparada com a carne do boi. Dependendo da região, essas caças são preparadas com pele e vísceras, o pêlo é queimado pelo fogo e os miúdos, órgãos internos, são depois retirados e repartidos.

Peixes: tucunaré, tambaqui, dourado, pescada, surubim, arapapá, pacú, jaraqui, matrinxã, pirarucu, piranha, acarí-bodó, sardinha, tamuatá, mandii, acará, branquinha, curimatã, entre outros.

Quelônios e répteis: tartaruga, iaçá, tracajá, capitarí, muçuã, cabeçudo, jabuti, camaleão, jacuraru, jia e jacaré. Alguns quelônios são colocados para assar ainda vivos e comem com vísceras e tudo. Além dos ovos desses animais.

Aves: frango d’água, pato-do-mato, carão, arara, jacu, papagaio, tucano, inambu, entre outras.

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Débora Valente, coordenadora do curso de Gastronomia do Ciesa

“A nossa participação na Mostra Multidisciplinar não foi só para desenvolver workshop de gastronomia, mas de expor principalmente a cultura milenar dos povos indígenas predominantes no Amazonas por meio de “pratos-identidade”, juntamente com seus aspectos históricos, ritualísticos e culturais, adaptando para a realidade da cozinha contemporânea, ou seja, fazendo uma releitura do prato original. Expondo os modos de preparo e técnicas aplicadas à culinária indígena, além de instigar a percepção sensível da regionalização da gastronomia contemporânea e desenvolver as técnicas clássicas tradicionais e contemporâneas no preparo dos alimentos apresentados pelos alunos do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia do Ciesa que está há 30 anos no mercado manauense com propósitos voltados para uma inegável consciência amazônica e acreditando na inteligência da juventude, impulsionando seus anseios vocacionais, sustenta-se em três pilares: Qualidade, Organização e Informação, e há 10 anos com o Curso de Gastronomia formando Gastrônomos com ética, profissionalismo e responsabilidade. Esperamos ter sensibilizado o público que prestigiou os três dias de apresentação e deu importância ao conhecimento da cultura alimentar indígena, valorizando a origem dos pratos típicos das etnias indígenas, através das sensações gustativas apresentadas nas oficinas gastronômicas. Procuramos promover também o conhecimento dos acadêmicos de gastronomia no que ser refere às questões culturais dos povos indígenas como parte integrante da sociedade brasileira”.

Sucesso de iguarias nativas

A coordenadora do curso de Gastronomia do Ciesa, Débora Valente diz que tem vários produtos de origem indígena no nosso cardápio como a mandioca, que é a base da alimentação indígena, o tucupi, a goma para tapioca, a farinha de tapioca, arubé, as farinhas de mandioca, todos são subprodutos da tão conhecida “rainha do Brasil”. “A apreciação do peixe enrolado na folha da bananeira assado sobre o fogo com brasa, ou no forno, a caldeirada. Temos também o chibé de farinha, o mingau de banana madura ou verde também fazem alusão a nossa herança da gastronomia indígena”.

Débora evidencia que próprio peixe que pode ser preparado em caldeirada ou assado servido com farinha seca ou d’ádua, pura ou em forma de farofa ou pirão que lembra o chibé, é um prato indígena adaptado na culinária amazonense. “Temos ainda o costume de comer carne de caça, mesmo essa sendo uma iguaria. A tapioca que hoje é um sucesso nas dietas sem glúten em todo o mundo e ainda, para quem conhece os vinhos de frutas como: bacaba, açaí, buriti, patauá, além do mingau de banana madura e verde adicionando farinha de tapioca ou não”, lembra.

Conforme ela, a alimentação indígena tem como alicerce os produtos naturais, coletados, pescados ou caçados da própria região que eles estão localizados. “Hoje muitos deles fazem roçados e cultivam espécies de plantas para complementar sua alimentação e que podem ter acesso o ano inteiro, não dependendo somente da coleta. A alimentação indígena é natural, pois eles consomem alimentos retirados diretamente da natureza. Para os indígenas, os alimentos que não são retirados da mãe natureza, não fazem bem para os seus filhos”, revela.

A professora de cozinha brasileira e internacional enfatiza a importância de manter preservada a gastronomia indígena. “Temos que pensar na gastronomia indígena como a origem da cozinha de um povo, no sentido de preservar métodos e técnicas dos nossos ancestrais, assim como a utilização de produtos alimentícios não convencionais e a própria expressão cultural que a gastronomia envolve, mantendo vivas as relações políticas, sociais e espirituais”, afirma.

Faça em casa

O Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa) foi convidado para participar da 1ª Mostra Multidisciplinar sobre os Povos Indígenas, no Centro Cultural Povos da Amazônia, para celebrar o dia 9 de agosto, como o Dia Internacional dos Povos Indígenas, que foi instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Apresentando as Oficinas de Gastronomia Indígena com os alunos do 1º e 2º Ano do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia, inseridas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História da Cultura Afro-Brasileira e Indígena com os temas:

Guaraná: do Çapó Saterê-Mawé ao refrigerante apresentação da bebida chamada Çapó que é preparada somente com água e o pó do guaraná ralado em língua de pirarucu, esta é a forma original que os indígenas da etnia Saterê-Mawé preparam este elixir da vida, um energético que dá mais força, saúde e longevidade para os povos de Maués, conhecida como a “Terra do Guaraná”.  A oficina foi apresentada pelos alunos formandos, Taciana, Daniel, Fabrício, Luciana, Óscar, Paula e Ricardo.

Receita de Coquetel com Guaraná:

Rendimento: 1 pessoa