Cada dia, o ritmo da aldeia segue as tradições e costumes de uma das etnias. / Marcelo Santos Braga/ Brasil de Fato

11ª edição do evento reúne índios de oito etnias diferentes, que convivem e aprendem com as tradições de outros povos

Intercâmbio de culturas, fortalecimento das tradições, fonte de renda através da venda de artesanatos e pinturas, apresentações das suas histórias e costumes. Esses são alguns dos propósitos da XI Aldeia Multiétnica, realizada de 15 a 21 de julho, na Chapada dos Veadeiros (GO).

Cerca de 280 índios de oito etnias receberam aproximadamente quinhentos visitantes por dia, além de trinta viventes, como são chamados aqueles que se alojam na aldeia com os indígenas e acompanham todas as atividades. Na festa de encerramento mais de mil pessoas presenciaram as apresentações.

Foto: Marcelo Santos Braga/Brasil de Fato

Encontro de Culturas

Tudo começou em 2007, no ano Internacional dos Povos Indígenas, quando alguns integrantes do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros ampliaram a participação dos índios nas atividades. Seis anos depois, a Aldeia Multiétnica passou a ter local próprio numa pousada desativada no Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros, onde sete etnias tiveram chalés para se alojar.

Mais de dez anos depois foi realizado o sonho dos idealizadores do projeto: a construção de um território permanente, com estruturas pensadas e realizadas pelos indígenas num local próximo a entrada de Alto Paraíso e São Jorge, também na Chapada.

As nove famílias das etnias fundadoras têm direito hereditário de participação, tudo coordenado por suas lideranças. A programação dos eventos é auto-gestionada com ampla participação dos indígenas junto aos organizadores.

A ideia é reproduzir, neste território, a rotina de um período de festas numa aldeia. Foram convidados mestres, pajés, cantores, caciques, dentre outros integrantes das tribos, além de antropólogos, pesquisadores, gestores públicos e outros setores.

De acordo com Fernando Schiavini, um dos idealizadores do projeto e indigenista aposentado pela Funai, órgão onde trabalhou durante 40 anos, o ritmo da aldeia segue as tradições e costumes de uma das etnias, que fica responsável pelas atividades da aldeia, de modo a apresentar suas histórias, danças, vestimentas, alimentos, artesanatos e culturas em geral, explicou.

“As rodas de prosas são extremamente importantes, porque retratam as realidades indígenas. Além das festas, tratam de discussões sérias e dos seus problemas. Educação e saúde indígena, avanço do agronegócio sobre seus territórios e construções de hidrelétricas são alguns deles. Agora com esse novo espaço poderemos realizar também cursos de indigenismo, saúde, e temas dos quilombolas e dos povos e comunidades tradicionais como um todo”, afirmou.

Cacique Raoni: “Quero todos os caciques de todas as etnias unidos”. Foto: Marcelo Santos Braga/Brasil de Fato

União entre os povos

O Cacique Raoni, uma das lideranças mais respeitadas dentro do movimento indígena e ancião da etnia Kaiapó, participou do início do evento e ressaltou a importância da união entre os povos e a busca pelo conhecimento para lutar pelas suas necessidades. Ele criticou as construções de hidrelétricas e o avanço do agronegócio sobre suas terras, alem de pedir maior participação dos jovens na luta pelos seus povos.

“Vamos esperar esse tipo de bagunça entre as autoridades e a politicagem deles acalmar. Aí vamos levar nosso documento para entregar ao governo que vai assumir depois. Quero todos os caciques de todas as etnias unidos para falar com o governo e entregar o documento para eles escutarem nossa fala”, ressaltou.

Também foram realizadas exibições de cinema indígena, troca de sementes, venda de artesanatos e pinturas corporais, que são importantes fontes de renda aos povos participantes, dentre outras atividades.

De acordo com Anuiá Yawalapiti, importante liderança da Aldeia Amarü, do Parque Nacional Indígena no Xingu, no Mato Grosso, uma das conquistas do evento é fazer com que os índios da sua etnia verem seus “parentes” como irmãos. Para ele, muitos brancos não têm interesse nos seus projetos e querem acabar com a cultura indígena.

“O Encontro faz a gente se aproximar mais porque muitos brancos não respeitam nossas famílias, animais e florestas. A televisão e a novela não contam nossas histórias, e as crianças vão perdendo nossa cultura, costumes, etc. Essa é uma preocupação nossa, e falam que estamos invadindo a terra deles mas eles que invadiram nossas terras”, criticou o cacique.

Os Rikbaktsa, do noroeste do Mato Grosso, participam pela primeira vez da Aldeia. Segundo Domingas Apatso Rikbaktsa, todos estão muito felizes pela oportunidade de conhecer a cultura de cada povo e mostrar a deles também, além de tentar vender o artesanato da sua aldeia.

“É importante falar sobre nossa terra, nossa história, a cultura que cada etnia tem, cada dança, música, que nossos antigos nos passam para não acabar. Esperamos sempre participar para fortalecer nosso conhecimento e cultura trazendo mais jovens para ensiná-los”, disse.

Foto: Marcelo Santos Braga/Brasil de Fato

Aprendizado

Atento a todos os debates e discussões, Paulinho Paiakan, da etnia Kaiapó e presidente da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa), destacou a importância de se apropriar das informações e conhecimentos durante os diálogos. Para ele, o formato fora de auditórios e salas de reunião também favorece para que todos se sintam mais à vontade.

“As falas, os assuntos, levantaram várias ideias que são compartilhadas por nós. Esse encontro é muito produtivo, estou aprendendo muito. Também estou compartilhando meus pensamentos. É muito importante nos unirmos, e esse é um ponto de intercâmbio para fazer essa unificação”, afirmou.

De acordo com o último Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, existem hoje cerca de 818 mil indígenas de 305 etnias em todos os Estados do Brasil. São aproximadamente 274 línguas faladas, e quase 18% da população indígena não fala português. A Funai estima que quase 70  grupos de índios ainda não foram contatados, enquanto outros estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão.

Edição: Daniela Stefano