Djuena, que é a primeira artista indígena a ser protagonista de uma apresentação no Teatro Amazonas. A CRÍTICA

“Porque somos como os pássaros multicoloridos: apesar de belos, cantamos melhor em revoada”, afirma a cantora Djuena Tikuna, 32. É assim que ela fala dos “parentes”, termo comum entre os povos indígenas, independente de raiz consanguínea. Ela está prestes a realizar um grande sonho: no dia 23 de agosto, a cantora vai lançar o primeiro disco de sua carreira no templo da Belle Époque amazonense. E ela quer levar comunidades indígenas de Manaus e entornos para celebrar com ela essa conquista, uma vez que Djuena é a primeira artista indígena a ser protagonista de um show no Teatro Amazonas.

A campanha para trazer as comunidades indígenas ao seu show está hospedada no site Partio e vai arrecadar dinheiro até o dia 13 de agosto. A meta é coletar R$ 11.752, mas, até agora, só foram doados R$ 1.500. “Quero trazer para o Teatro Amazonas os representantes de todas as comunidades de Manaus e arredores”, coloca ela. O coletivo indígena sempre esteve em pauta na vida da artista: não é à toa que o disco foi batizado de “Tchautchiane” que quer dizer “Minha Aldeia”.

O disco é composto por 12 faixas, e nele Djuena canta músicas compostas por ela e outras tradicionais do seu povo, além de canções de sua prima, Claudia Tikuna, uma de suas maiores influências. “Canto também uma versão do Hino Nacional Brasileiro, que foi traduzido pelo professor Sansão Tikuna. Estou produzindo um novo trabalho sobre a música tradicional do meu povo, com o objetivo de divulgar nossa língua materna, como uma proposta de contribuir com a educação diferenciada que nós povos indígenas buscamos”, diz ela.

Tikuna sempre foi uma grande defensora das causas indígenas. Em abril deste ano, ela participou da gravação de “Demarcação Já”, uma campanha musical gravada com artistas como Maria Bethânia, Gil Gilberto, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, entre outros, pedindo pela demarcação das terras indígenas. “O meu compromisso é utilizar a música que faço a serviço dos povos indígenas, então as minhas composições refletem esse sentimento, de luta, de identidade e orgulho de sermos quem somos”, pondera ela.

É isso que faz o canto de Djuena a clamar por seu povo. Exemplo disso está na canção “Yu’u cü arü fe’e”, que abre o disco. “É uma composição que reflete bem a realidade a qual os povos indígenas estão sujeitos, os reflexos das grandes obras em nossos territórios, a seca, a doença, o êxodo. Mas também nos faz refletir sobre a necessidade de gritarmos o grito de nossa identidade, de vencermos a correnteza do preconceito. Nós somos os filhos dessa Terra. ‘A floresta é o manto da Terra’, dizem os sábios professores Tikuna do Alto Solimões”, coloca.

Colaboradores

O projeto do disco é desenvolvido em família e mais alguns amigos de Djuena. “Meus irmãos Aguinilson e Anderson Tikuna cantam e tocam violão e percussão, junto com meu marido Janatã que também produz alguns de nossos instrumentos como tambores, efeitos, maracás, entre outros. Recebemos os amigos amazonenses Mestre Eliberto Barroncas (percussão) e Abner Viana (clarinete). Também um grande parceiro nosso é o violinista Anton Carballo, que integra a Orquestra Sinfônica Brasileira e tem contribuído conosco nesse trabalho”, pontua.

Djuena começou a cantar profissionalmente há 10 anos, na antiga feira Puka’ar: Mãos da Mata, que acontecia na Praça da Saudade, no Centro Histórico de Manaus. A feira reunia toda a comunidade indígena da capital, com seus cantos, danças, artesanatos, pinturas e bebidas tradicionais. A ideia é que este passado seja resgatado. “Era uma bela confraternização entre os povos indígenas que vivem aqui. Meu irmão Aguinilson Tikuna foi eleito recentemente para o Conselho de Cultura da ManausCult. Os gestores públicos precisam entender que a comunidade indígena tem muito a contribuir com Manaus e o Amazonas”, destaca ela.

A inexistência da feira hoje reaviva outra questão a ser vencida: o preconceito contra os indígenas, que, segundo a cantora, ainda existe. “Principalmente porque queremos quebrar com o estereótipo do exótico. E nos afirmarmos enquanto sujeitos de nossa realidade. Nossa realidade é bem mais séria do que cantam as toadas. O ‘índio chorou’, mas não chora mais. Ele está de cabeça erguida lutando pelos seus direitos, pela demarcação de suas terras, pela preservação de suas culturas. Mas o preconceito vem também por ser mulher. Isso é uma estrutura machista colonialista que, indígenas, negras e brancas todas devemos cantar contra”, assegura.

Djuena é grata a todas as instâncias que apóiam o seu espetáculo. Agora, ela quer que outros artistas indígenas sejam reconhecidos também. “O maior erro que pode haver é não nos reconhecermos. A sociedade amazonense é composta majoritariamente por descendentes indígenas, mas só se reconhece durante os três dias de Festival de Parintins. Essa celebração cultural no palco do Teatro Amazonas é importante para mostrar para a sociedade não indígena, bem como para todos nós, que a nossa cultura é importante, que nosso canto é respeitado. Estamos vivos, nós existimos e resistimos”.

Apoiadores

O trabalho De Djuena teve o apoio da Secretaria de Cultura do Amazonas, através do PROARTE, da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Greenpeace, Park Vieiralves, FOREEIA – Fórum de Educação Escolar Indígena – AM Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas, COPIME – Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno Associação Comunidade Tikuna Wotchimaücü Comunidades indígenas de Manaus e Entorno Centro de Medicina Indígena Bahserikowi´i, entre outros.

Serviço

o quê: Lançamento do CD de Djuena Tikuna, com entrada franca

onde: Teatro Amazonas (Rua 10 de julho, Centro)

quando: 23 de agosto, às 20h

infos: (92) 99475-8861/99517-1313