Amazônia Rio Coração

Por Daniel Rittner | De São Paulo/Valor

Pelo menos 5,6 mil processos de exploração mineral ameaçam atualmente unidades de conservação e terras indígenas na Amazônia Legal. São registros ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) e que se encontram em diferentes etapas de desenvolvimento das jazidas, entre requerimentos para pesquisa até autorizações de lavra, segundo levantamento inédito do WWF-Brasil. A quantidade enorme de sobreposições dá uma dimensão das pressões pelo redesenho das áreas protegidas e pela liberação das atividades minerárias. Hoje, qualquer iniciativa está restrita ao garimpo ilegal. O mapeamento se baseia em dados disponíveis na própria ANM, no Ministério do Meio Ambiente e na Fundação Nacional do Índio (Funai).

A legislação atual proíbe explorar minérios em terras indígenas sem expressa autorização do Congresso Nacional, em unidades de conservação de proteção integral, em reservas extrativistas e em reservas do patrimônio natural. Nas unidades de conservação de uso sustentável, ações exploratórias precisam estar devidamente enquadradas no plano de manejo em cada uma delas.

Em tese, todos os pedidos de pesquisa ou autorizações de lavra concedidos no passado deveriam estar automaticamente bloqueados. Na prática, entretanto, o bloqueio atinge só 24% dos títulos minerários nas unidades de conservação federais e 46% nas estaduais. Em terras indígenas, alcança 76%.

“Colisão de interesses e objetivos” nas políticas públicas de proteção ao ambiente, diz Maurício Voivodic, do WWF.

O diretor-executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic, vê uma “colisão de interesses e objetivos” nas políticas públicas de proteção ao ambiente e de incentivo à indústria da mineração. “O que procuramos fazer foi jogar luz nesse conflito e dimensionar o tamanho do problema”, afirma.

Para ele, a nova composição de forças que saiu das urnas no domingo reforça o perigo de afrouxamento das restrições em áreas hoje protegidas. “Vemos uma bancada eleita no Congresso que dialoga muito com essa visão do ambiente como empecilho ao desenvolvimento”, observa.

A abertura de terras indígenas à exploração mineral constitui uma “ameaça latente”, segundo o WWF, que cita o teor de um projeto de lei apresentado pelo senador Romero Jucá (MDB-RR) e em tramitação desde 1996. Os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer também entraram em polêmicas ao “desafetar” unidades de conservação, ou seja, reduzir o tamanho das áreas sob proteção.

O Parque Nacional do Monte Roraima tem 477 quilômetros quadrados, ou 40% de sua extensão total, ameaçados por direitos minerários. Localizado na fronteira do Brasil com o Suriname e a Guiana, trata-se da unidade de conservação com maior território em risco, segundo a organização não governamental. São oito pedidos para explorar platina e cobre.

 

Ainda que não seja objeto do estudo, o garimpo ilegal já foi reconhecido oficialmente como um importante vetor de desmatamento nas áreas protegidas da Amazônia. A indicação da presença de minérios em seus territórios pode estimular a atividade, o que exige cada vez mais esforços de fiscalização e controle.

“Por esse motivo, recomendamos o rápido indeferimento e caducidade dos requerimentos e títulos no âmbito das áreas protegidas, visando minimizar a corrida por minérios e a expansão de atividades ilegais”, diz Jaime Gesisky, coordenador do trabalho. Gesisky argumenta que, além dos danos ambientais e do risco de contaminação, o garimpo ilegal financia a grilagem de terra e episódios de violência, como os registrados em Humaitá (AM) no ano passado.

Após fiscalização do Ibama para coibir esse tipo de atividade no rio Madeira, garimpeiros atearam fogo em prédios do Ibama e do Instituto Chico Mendes, em outubro. De acordo com o mapeamento do WWF-Brasil, há um total de 5.675 processos de exploração mineral registrados. Os processos em fase de requerimento, que representam um risco menor, alcançam uma área de 27 mil quilômetros quadrados. Os direitos de extração totalizam 266 quilômetros quadrados. O estudo foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ibama e à Procuradoria-Geral da República com uma série de recomendações.