A TERRA

A Justiça de Rondonópolis reconheceu o direito da etnia Bororo à posse e usufruto da Terra Indígena Jarudore, num total de 4.706 hectares, e determinou a desocupação da área pelos não índios que exploram atividade econômica no local, no prazo máximo de 90 dias. A sentença não abrange a sede urbana do distrito de Jarudore.

Após 13 anos de tramitação, o processo com 17 volumes, 4.166 páginas e mais nove volumes apensos, relativo à ação civil proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), foi sentenciado. A Procuradoria pedia à Justiça Federal a desocupação da Terra Indígena Jarudore, da etnia Bororo, situada no município de Poxoréu, distante aproximadamente 260 km da capital Cuiabá.A Terra Indígena Jarudore foi demarcada, inicialmente, em 1912, por Marechal Cândido Rondon, com o nome de São João do Jarudóri, em uma área equivalente a 100 mil hectares. Os documentos da demarcação se perderam com o tempo, restando apenas os relatos históricos. Com o passar dos anos e por meio de atos do governo de Mato Grosso, a TI acabou sendo reduzida para os atuais 4.706 hectares.

 

O título da terra indígena foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis, em Poxoréu, em 20 de agosto de 1958. Mas isso não impediu que o próprio Estado de Mato Grosso, criasse, por meio de lei, o distrito de Paz de Jarudore, com sede na Terra Indígena, o que, de acordo com o MPF, teria estimulado a ocupação das terras por não indígenas.

 

“Criado o novo distrito, estavam abertas as portas para novas ações contra os Bororo. Assim, a partir da década de 1960, deu-se curso a uma intensa ocupação do território na forma de concessão de títulos a terceiros, seguido de parcelamento do solo. Novas ocupações são realizadas, sempre estimulada ora pelo estado de Mato Grosso ora pelo município de Poxoréu”, afirmou o MPF nos autos.

 

Ainda de acordo com o processo, as ocupações teriam sido conduzidas com violência contra os Bororo. “Estes, por sua vez, sem acesso à terra, indispensável à subsistência da etnia, teriam sido forçados a se deslocar para outras regiões, mas jamais perderam o desejo de retornar à Jarudore”, salienta o magistrado.

 

Conforme o juiz, somente a União pode decidir sobre o destino das terras de Jarudore, em caso de eventual desinteresse dos indígenas em habitar a região, não podendo o estado de Mato Grosso se apossar delas, ainda que estejam abandonadas. “Diante desse cenário jurídico, resta inequívoca a irregularidade da Lei mato-grossense 1.191, de 20 de dezembro de 1958, que criou o ‘distrito de Paz de Jarudore’, no município de Poxoréu (MT), com uma sede urbana no interior da TI Jarudore. Ainda que os Bororo não ocupassem o lote, por vontade livre e espontânea, o reconhecimento formal de uma povoação urbana no interior da reserva indígena, pelo estado, colidiu frontalmente com a propriedade da União”, enfatizou.

 

Atualmente, a ocupação indígena está limitada a uma área de 772 hectares, cuja extensão, segundo o MPF, é incapaz de assegurar a preservação da identidade da etnia, restringindo também o exercício das atividades de subsistência e o acesso aos locais com elos sagrados.

 

Durante a tramitação dos autos, os requeridos chegaram a alegar que a área não era ocupada permanentemente pelos indígenas e que seria apenas um território de passagem. Neste trecho, o magistrado, na sentença, ressaltou a diferença existente entre os indígenas e os não índios na relação com a terra, e citou um trecho do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF): “(…) todos os membros de uma peculiar etnia indígena estão intimamente ligados com as terras ocupadas de modo permanente e tradicional pela etnia.”, e também da PET 3.388: “(…) no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia”.

 

Para o juiz, “a moradia pode ser exercida em outra porção de terra e os interesses patrimoniais podem ser indenizados. Mas a identidade indígena de uma determinada etnia não subsiste sem aquela mesma porção de terra (…)”. Por fim, o magistrado concluiu que todas as titulações existentes dentro da Terra Indígena Jarudore são nulas, sendo que as terras indígenas eram e permanecem indígenas. Somente serão indenizados aqueles que já possuíam lotes no interior da reserva quando da edição do Decreto Lei 684/1945, correndo prazo prescricional a partir do decreto. Os não índios que passaram a ocupar a área da reserva indígena após a sua criação, pelo citado decreto, não tem qualquer direito adquirido à manutenção da posse. Também não haverá indenização por benfeitorias realizadas após a criação da reserva indígena.

 

A sentença não implica na extinção do distrito de Jarudore, como uma unidade administrativa de Poxoréu, como também não proíbe a presença de não índios no local, e na presença do estado e do município na região, no fornecimento de serviços públicos como educação, saúde, saneamento, habitação e segurança. Mas a permanência desses serviços deverão ser acertados junto à União, para que sejam prestados em conformidade com as políticas de assistência à saúde e educação indígena.

 

Ressalta a sentença que enquanto não transitada em julgado, e, depois, enquanto não houver manifestação expressa da Funai e do MPF relativo ao acerto com os representantes da etnia sobre a permanência de não índios na sede do distrito, bem como sobre as condições de permanência, deverá ser garantida, aos não índios, a utilização de uma via de acesso à população urbana de Jarudore (moradores da “Vila de Jarudore”), compatível com as necessidades locais, bem como a permanência de todos os serviços públicos, estaduais e municipais, inclusive de manutenção e conservação de obras localizadas fora do perímetro urbano.

 

Fica vedada a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como qualquer atividade agropecuária ou extrativa, o que implica na não permanência de todos os não índios que ocupam uma porção de terras além dos limites do conglomerado urbano do distrito.

 

A desocupação da TI Jarudore deverá ser realizada em duas etapas. A primeira, referente à área com 1.930 hectares, localizada nas porções Oeste e Nordeste da terra, em 45 dias. E a segunda etapa, com área de aproximadamente 1.730 hectares, na porção Sul, em 90 dias.

 

Conforme o texto da sentença, não será admitida, em nenhuma circunstância, mesmo tendo decorrido o prazo para desocupação voluntária, que os bororos ocupem a área sem que seja atestado em juízo a saída de todos os não índios. Também não será permitida, até o trânsito em julgado, a demolição, a destruição e o usufruto das construções e obras (públicas e privadas) após a reocupação dos bororos. A restrição não se aplica às plantações.

 

As informações são da assessoria do MPF.

 

Fonte: Só Notícias (foto: reprodução)