Arqueiros indígenas vão a torneios no exterior e sonham com Olimpíada
Na infância, Iagoara aprendeu com os tios a usar pedaços de itaúba, bacabeira, palmeira ou pau-brasil para montar seu brinquedo preferido. “Tira um pedaço, corta, pega uma corda, enverga, e já vai tomando a forma de arco”, explica o ribeirinho de 19 anos, que cresceu em uma comunidade a 60 quilômetros de Manaus, na margem esquerda do Rio Negro. Qualificado para disputar uma das vagas da equipe de tiro com arco que representará o Brasil na Olimpíada, ele treina com mais cinco atletas de origem indígena e vê nas suas raízes o gosto pelo esporte.
“Na comunidade, todo mundo sabe atirar [com arco nativo]. É uma brincadeira que todo mundo gosta e que está no nosso sangue. O arco e flecha vem dos nativos”, lembra o atleta, que atende também pelo nome de Drean Braga da Silva, mas tem orgulho do nome indígena escolhido por seu avô: “Significa cachorro. Foi meu avô que escolheu, porque eu gostava de andar muito sozinho no mato. Tem gente que diz que o nome é inadequado, mas estou pouco ligando para isso”.
O atleta da etnia Kambeba começou a treinar há apenas dois anos, no projeto Arqueria Indígena – , da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), e se qualificou em janeiro, em quinto lugar, para participar das seletivas nacionais da modalidade, que começam hoje (4) em São Paulo. Além dele, também se qualificou Nelson Silva, de 16 anos, da etnia Kambeba e Graziela dos Santos, de 20 anos, da etnia Karapanã, ambos do mesmo projeto. A equipe brasileira de tiro com arco terá quatro atletas – três titulares e um reserva – tanto no masculino quanto no feminino. As duas primeiras vagas serão dos que vencerem as seletivas, que reúnem dez atletas de cada sexo, e a terceira vaga e a reserva são escolhas técnicas da Confederação Brasileira de Tiro com Arco.
Diretor técnico da Federação Amazonense de Tiro com Arco e técnico da Arqueria Indígena, Anibal Forte conta que muita gente acha que a origem indígena é uma vantagem para ingressar no esporte. “Eles têm um gosto pela prática do esporte, e isso é o mais importante. Não a técnica, porque eles têm que reaprender totalmente. O pessoal comenta que eles têm vantagem por já terem praticado quando jovem, mas essa vantagem não existe. Os arcos são totalmente diferentes”, explica Anibal.
O gosto dos jovens indígenas inscritos no projeto pelo arco também ajudou porque, em nível esportivo, a modalidade requer paciência e insistência. “O mais importante do tiro com arco é a constância. O atleta tem que executar o movimento de formas exatamente iguais todas as vezes que praticar o tiro. Isso não acontece com o tiro nativo, porque uma vez ele está agachado, outra está em pé, outra, abaixado”, conta Anibal.
Comum na comunidade em que Graziela cresceu, a prática do arco nativo, no entanto, costumava reunir apenas os meninos karapanãs. Mas isso não impediu que ela se misturasse e depois conseguisse se tornar a única mulher da equipe do Arqueria Indígena.
“Sempre tem comemoração e tiro com arco nativo [na comunidade], e eu atirava junto. Era uma brincadeira mais dos meninos, mas eu estava no meio atirando, porque eu gostava de fazer isso”, conta. “Minha mãe não pratica isso, não. Meu avô e meu pai que atiravam. E na minha tribo eu não ouvia falar sobre grandes arqueiras que atiravam com arco e flecha”.