1_ejlgyn8woaa1r1f-6326490

Nas redes, indígenas compararam a situação com o Caso da Naja de Brasília, em que o soro importado foi transferido de São Paulo rápido o suficiente para salvar a vida do jovem acusado de tráfico de animais

Indígenas do povo Kumaruara denunciaram negligência na morte de um índio em Santarém, no Pará, por meio de uma carta divulgada nas redes sociais, nesta segunda-feira (5/10). Alberto Castro Bispo morreu no domingo (4/10) após uma picada de cobra. Segundo a carta, o atendimento médico ao indígena demorou quase o dia inteiro.

Na carta, o povo Kumaruara afirma que essa é uma tragédia que poderia ser evitada caso o poder público disponibilizasse melhores condições de atendimento hospitalar. “Os povos da floresta continuam padecendo e morrendo pela falta de assistência médica dentro da Amazônia, sem posto de saúde, rádio transmissão e ambulância para socorro”, afirma o texto.

Alberto foi picado por uma surucucu, considerada a maior serpente venenosa da América Latina, por volta das 9h de domingo, no meio da floresta. De acordo com a carta, ele chegou à aldeia para pedir socorro às 11h e foi nessa hora que eles entraram em contato com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e  com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele precisava ser transportado para Alter do Chão, já que os postos de saúde mais próximos (Suruacá e Parauá) não têm soro antiofídico. A distância é de cerca de 30km, mas é preciso fazer a travessia do Rio Tapajós.

Segundo a tribo, a resposta que tiveram era de que o Sesai não tinha “hora-voo” para fazer remoção de helicóptero e nem marinheiro para as lanchas. O Samu disse que a única ambulância disponível estava fazendo outra remoção. A transferência só foi feita as 19h, mas o indígena não resistiu.  “Perdemos mais um Kumaruara por negligencia do desgoverno, que trata sem importância a vida de quem mora do outro lado do rio. Esse é um caso relatado, de muitos que acontecem na Amazônia com indígenas, quilombolas e ribeirinhos, continuamos sem acesso a saúde pública de qualidade dentro da nossa realidade”, afirma a carta.

O manifesto finaliza com  um pedido de criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena para a região do Baixo Tapajós. A região abriga vinte aldeias do povo Tupinambá, além de aldeias dos povos Munduruku, Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta, Kumaruara, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara Vermelha.  Segundo dados do ICMBio de 2012. são cerca de 4.581 famílias entre indígenas e não indígenas na região.

Além da carta, na manhã desta segunda-feira, indígenas se reuniram em protesto na frente da Casa de Apoio ao índio de Santarém.

A imprensa entrou em contato com a Secretária de Saúde do Pará, com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas até a última atualização dessa matéria não obteve resposta.

Nas redes sociais, a comunicadora indígena Karibuxi denunciou o ocorrido e comparou com a picada de cobra sofrida por um acusado de tráfico de animais. em Brasília, este ano. “Para um traficante de cobras arranjaram em horas a única dose de uma cobra naja que sequer é nativa, do Brasil, para o parente Kumaruara restou a negligência. É revoltante!”, escreveu.

Pedro Henrique Krambeck foi picado por uma naja típica da Ásia, em 7 de julho. No Brasil só tinha uma dose do soro antiofídico para a espécie, que estava no Instituto Butantan, em São Paulo. O antídoto foi encaminhado para Brasília no mesmo dia da picada. Mais dez doses do soro foram importadas dos Estados Unidos para o tratamento dele

Confira a carta na íntegra

É com pesar que o povo Kumaruara comunica que está em LUTO.

Uma perda que poderia ter sido evitada, os povos da floresta continuam padecendo e morrendo pela falta de assistência médica dentro da Amazônia, sem posto de saúde, rádio transmissão e ambulancha para socorro.

Sr. Alberto Castro Bispo, pertencente do povo Kumaruara, aldeia Mapirizinho nas margens do rio Tapajós foi picado por uma cobra surucucu, neste domingo (04/10/20) por volta de 9 horas da manhã no meio da floresta, quando conseguiu chegar na aldeia se arrastando pedindo socorro era 11 horas, a hora em que a aldeia começou se mobilizar, entrando em contato com órgão competente SESAI e SAMU para fazerem remoção do paciente.

No primeiro momento a SESAI justificou que não tem “hora vôo” para fazer remoção de helicóptero e nem marinheiro para lanchas e ambulânchas da SESAI, transporte que chegou no mês de julho em Santarém. Estamos há meses esperando que a SESAI faça contratação dos barqueiros.

O SAMU respondia que a ambulancha da SEMSA estava fazendo outro serviço de remoção na região do Lago Grande, e que só iriam ser possível busca-lo ás 17 horas. Ou seja, apenas 1 ambulancha disponível para fazer socorro em uma extensa região de rios.

Os postos de saúde até as comunidades mais próximas (Suruacá e Parauá), tem a distância de 15 km, mas de nada adiantava levar porque não tem soro antiofídico nas UBS dentro da Amazônia. Isso é inadmissível!

Estamos tristes e revoltados, já passamos por tantas humilhações, foi com muita luta que conseguimos o helicóptero para DSEI GUATOC fazer remoção dos indígenas do Baixo Tapajós. E agora com o desmonte desse governo genocida/etnocida que continua matando os povos indígenas, corta tudo da noite para o dia. Isso tudo acontecendo, em meio uma crise sanitária mundial, a pandemia da COVID-19, ainda temos que sobreviver as invasões nos territórios de madeireiros, garimpeiros, sojeiros, etc.

O parente chegou às 19h em Alter do Chão, desacordado, tarde demais. Perdemos mais um Kumaruara por negligencia do desgoverno, que trata sem importância a vida de quem mora do outro lado do rio. Esse é um caso relatado, de muitos que acontecem na Amazônia com indígenas, quilombolas e ribeirinhos, continuamos sem acesso a saúde pública de qualidade dentro da nossa realidade.

Já estamos há 4 anos vinculados ao DSEI GUATOC (sede em Belém), sentimos muita dificuldade em atuar como controle social. As equipes que entram em área de forma ambulantes, e é um trabalho exaustivo, que depende até de força corporal para carregar malas, isopor com gelo, rancho e aparelho respiratório, que agora nesse período de verão aumenta ainda mais as dificuldades de deslocamento de uma aldeia para outra.

Por isso, reiteramos novamente ao Poder Legislativo a criação de um próprio DSEI para região do Baixo Tapajós. Pedimos ao Ministério Público Federal e Estadual, que fiscalize as prestações de conta do dinheiro público direcionados as políticas públicas de saúde, neste município.

Não suportamos mais viver, vendo os parentes morrerem em nossos braços. Queremos ser olhados e assistidos de forma digna como seres humanos. VIDAS INDÍGENAS IMPORTAM!!!

Confira a nota do Sesai na íntegra

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, por meio do Distrito Sanitário
Especial Indígena (DSEI) Guamá Tocantins, lamenta o falecimento do indígena Alberto Castro Bispo, da
etnia Kumaruara, por acidente ofídico, na aldeia Mapirizinho, nas margens do rio Tapajós, no Pará, neste
domingo, 4 de outubro, e respeita as manifestações do povo Kumaruara neste momento de luto. O DSEI
Guamá Tocantins esclarece que recebeu o chamado às 13h do mesmo dia e imediatamente mobilizou a
equipe de saúde do Polo Base Santarém. A equipe prestou atendimento no local e removeu o paciente,
de ambulancha (ambulância fluvial), até o Pronto Socorro de Alter do Chão (PA). Apesar de todos os
esforços, o paciente não resistiu e veio a óbito no percurso.

As regiões do Baixo Tapajós, Arapiuns, Planalto Santareno e entorno se encontram assistidas pelo DSEI.
Há 6 Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) na região, atuando de forma volante, levando
atendimento de saúde para as aldeias. As EMSI são compostas por enfermeiros, técnicos de
enfermagem, dentista, farmacêutico, psicólogo, dentre outros, além de médico do Programa Mais
Médico. Uma Equipe de Resposta Rápida também se encontra na região realizando busca ativa de
sintomas gripais para COVID-19 e levando orientações sobre prevenção e combate à pandemia.

Além disso, o DSEI adquiriu 8 novas embarcações fluviais para atendimento da região e os barcos já
estão operando no transporte de urgência e emergência de pacientes e equipes de saúde. Os processos
de contratação de barqueiros e horas-vôo encontram-se em tramitação, em data anterior ao acidente.
Enquanto isso, o Exército Brasileiro tem disponibilizado marinheiros para o transporte fluvial. Todas as
ações do DSEI passam pelo Controle Social do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) Guamá
Tocantins, cuja composição é formada, por eleição, de 50% de representantes de usuários indígenas,
25% profissionais de saúde e 25% do Governo Federal. Portanto, os indígenas têm representatividade no
CONDISI, que tem caráter deliberativo, com diretrizes, e realiza a fiscalização das ações de saúde nos
Territórios Indígenas.